Funed quer parceiros privados para gerir fábricas paradas

Remédios antes produzidos a baixo custo para o SUS poderão ser fornecidos por farmacêuticas

Litza Mattos

Até o início dos anos 2000, a Fundação Ezequiel Dias (Funed) era referência nacional em saúde pública e na produção de medicamentos para o Sistema Único de Saúde (SUS). A fundação, que chegou a ter cinco fábricas em funcionamento, hoje não produz praticamente nada, e publicou edital no qual prevê parceria com laboratórios particulares para os serviços de gestão, operação e manutenção de três das suas unidades fabris (I, II e III).

Procurada, a Funed divulgou nota na qual afirma que “o edital prevê apenas um estudo de possibilidades, sem nenhum compromisso”, e que “não existe decisão de entregar para a iniciativa privada”, tampouco “discussão sobre terceirização”. Também informou que a fundação está iniciando os estudos e, portanto, não há definições quanto ao período de parceria ou valores estimados para a participação das empresas.

O diretor executivo do Sindicato Único dos Trabalhadores da Saúde de Minas Gerais (Sind-Saúde-MG), Érico Colen, afirma que os servidores alertam para essa possibilidade há dez anos, e que sempre foram contrários ao que chamam de “privatização”.

Em abril deste ano, os funcionários chegaram a paralisar as atividades por dois dias exigindo diálogo com o governo. Segundo Colen, um assessor do Estado chegou a admitir que há planos de Parceria Público-Privada (PPP) e reconheceu que o Estado, após mais de dois anos, ainda não discutiu um projeto para a fundação.

O edital prevê, por dez anos, a “concessão administrativa para prestação de serviços de gestão, operação e manutenção das unidades fabris I, II e III, incluindo a realização de investimentos, a aquisição de bens de consumo e a assessoria para a obtenção de registros dos medicamentos”.

Érico Colen prevê novos protestos. Para o diretor do Sind-Saúde-MG, o sucateamento da Funed, que teve suas unidades desmontadas sem perspectiva de reconstrução, fortaleceu a proposta. “Antigamente produzíamos quase 2 bilhões de medicamentos por ano. Na gestão passada levamos a reclamação para a Assembleia Legislativa e conseguimos barrar esse projeto. Depois foram colocando as unidades para reforma, sem conclusão. E não discutiram isso com os trabalhadores”, critica.

Negociação. A ata da primeira reunião de apresentação do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), realizada dia 12 de maio, revela que o modelo de PPP deve casar o interesse do laboratório com o que a estrutura fabril da Funed tem condição de subsidiar.

Além de representantes da Funed, da Secretaria de Estado de Planejamento, do BDMG e do Instituto de Desenvolvimento Integrado de Minas Gerais (Indi), quatro laboratórios interessados participaram: Aspen, Libbs Farmacêutica, Nicofarma do Brasil e EMS.

Preço. Na ata, a então vice-presidente da Funed, Carmen Lúcia Soares – que não está mais na fundação –, afirma que o objetivo da parceria é a produção de medicamentos rentáveis para o parceiro privado com preços praticados no mercado. “O preço que a Funed poderá pagar é o preço praticado nos pregões do Estado”, disse ela aos laboratórios.

Para Colen, no entanto, corre-se o risco de que os medicamentos saiam bem mais caros. “Os laboratórios deixaram bem claro que têm interesse em garantir o lucro. Na verdade, eles querem continuar produzindo na unidade fabril que já têm e repassar ao Estado de forma privilegiada. É até ingênuo o Estado achar que vai operar nessa lógica de os laboratórios investirem em outras fábricas”, disse o sindicalista.

Prazos

Edital. O prazo para entrega das propostas dos laboratórios privados é 3 de agosto. Até 12 de setembro, a Funed se manifestará sobre essas propostas. A posição final sai até 5 de janeiro de 2018.

Retrocesso
Unidades não produzem nem soro mais

Atualmente a Funed está basicamente voltada apenas para embalagem e rotulagem de vacina contra meningite e para diagnósticos da febre amarela. A unidade I teve sua reforma abandonada pelo Conselho Curador e R$ 23 mi devolvidos ao Ministério da Saúde. Outras duas unidades paralisaram a produção por ausência do certificado de boas práticas.

A unidade V de biofármacos consumiu pelo menos R$ 80 milhões em investimentos e nunca chegou a operar – atualmente apenas embala e rotula vacina contra meningite C, que deveria estar produzindo desde 2014.

Até janeiro, somente a fabricação de soros antiveneno estava em operação, mas a produção foi interrompida para uma reforma, pois a unidade também não tem certificado de boas práticas. O contrato de produção de talidomida, único medicamento que estava sendo fabricado, foi encerrado em maio. (LM)

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