Podendo ser utilizada para fabricação de diversos produtos, o colostro bovino, com a utilização aprovada há oito meses, é agora uma nova fonte de renda para as fazendas
Uma nova fonte de renda, que garanta bons lucros para a propriedade, é tudo que o produtor busca. E quando esta fonte de renda já está na propriedade, mas não é utilizada? É o que acontecia, até poucos meses atrás, com o colostro bovino nas propriedades brasileiras. A iguaria, que pode ser utilizada para a produção de diversos outros materiais e servir como fonte de alimento até mesmo para seres humanos, tem agora um novo propósito. A médica veterinária da Emater/RS, doutora Mara Helena Saalfeld, desenvolveu ao longo dos últimos anos estudos sobre a utilização do colostro bovino para humanos, medida proibida desde 1952.
A médica veterinária explica que o colostro bovino é um alimento rico em substâncias nutricionais que foi descartado por 65 anos no Brasil por problemas industriais. “O ponto de pasteurização (aquecimento) é diferente, ocasionando coagulação do colostro quando submetido a elevadas temperaturas. Isso acontece pelo grande percentual de proteínas que há no colostro, cinco vezes superior ao que tem o leite”, esclarece. De acordo com a especialista, o Brasil descartava cerca de dois bilhões de litros de colostro por dia. “Além de prejuízos para os produtores, muitas vezes este produto era descartado de forma inadequada, causando contaminação ambiental”, conta.
A utilização do colostro bovino na alimentação humana foi autorizada em março deste ano, 65 anos depois da proibição, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), através da publicação do novo Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa). A produção brasileira de colostro bovino chega a 1,9 bilhão de litros, dos quais metade alimenta o bezerro e o restante é descartado. Para Mara, a utilização do colostro para alimentação humana traz diversos benefícios para todos, entre eles o aumento da renda do produtor, que pode comercializar esse excedente, e a geração de tributos para o país.
Além do mais, o colostro tem ainda os mesmos constituintes que o leite, só em concentrações maiores. “A única exceção é a lactose, que no colostro tem a metade do percentual que existe no leite”, conta. Não somente como alimento, o colostro bovino pode ainda ser utilizado como medicamento e suplemento alimentar. “Qualquer alimento que é produzido com o leite pode ser produzido como o colostro”, menciona Mara. A doutora ainda comenta que é possível utilizar proteínas de grande valor do colostro, como lactobacilos probióticos, peptídeos anti-idade, anticorpos, e uma série de constituintes.
Outros países já usam
A médica veterinária diz que, em relação a outros países, o Brasil está atrasado quanto a utilização do colostro bovino. “Para se ter uma ideia, atletas olímpicos têm usado o colostro em pó há mais de dez anos para melhorar o desempenho. Tem ainda muito produto anti-idade fazendo sucesso no mundo e que poderia ser produzido aqui”, destaca. Mara acrescenta que agora é preciso divulgar cada vez mais a possibilidade desta utilização, além de criar novas possibilidades de uso no Brasil. “Creio que a indústria brasileira ou internacional deverá em muito pouco tempo começar a industrializar o colostro. Na internet se compra inúmeros produtos de colostro que entram no Brasil sem deixar impostos ou renda para nosso país. Isso precisará ser mudado”, afirma.
Mara comenta que se cada produtor puder ter mais uma fonte de renda, será muito gratificante. “Imagina ter uma indústria e os primeiros cinco dias da produção ir todo para o lixo. Era assim com o leite. Cada vez que uma vaca criava no Brasil, por cinco dias a produção era descartada”, conta. Ela explica que o bezerro mama uma pequena parte e o restante não servia para ser utilizado. “Eu estou muito feliz em perceber que após quase 20 anos de luta e trabalho, conseguimos mostrar ao Brasil que temos muito desperdício e que podemos ter produtos para agregar renda ao nosso tão sacrificado produtor”, diz.
Pesquisa
A doutora lembra que em 1998 começou a pesquisar uma forma de utilizar o colostro que era descartado nas propriedades, e acabou descobrindo um novo alimento, que batizou de silagem de colostro. “É simplesmente o colostro armazenado em garrafas PETs limpas e secas. Enchendo bem as garrafas e deixando fermentar anaeróbicamente na sombra. Sem usar energia elétrica o colostro se conserva por mais de dois anos e mantém todos os nutrientes, como lactobacilos probióticos e anticorpos”, diz.
Com esse estudo Mara ganhou o prêmio Tecnologia Social da Fundação Banco do Brasil, Petrobrás e Unesco, em 2007, e a oportunidade de fazer o doutorado. “No doutorado, pesquisando um alimento para bezerros, eu percebi o que o mundo estava fazendo com o colostro. Usando para humanos e pagando cinco vezes mais que o litro de leite em alguns países. Assim comecei a procurar instituições técnicas como Mapa e Anvisa para mudar a legislação que proibia o uso de colostro para humanos”, conta, lembrando que não conseguiu nada na época. Porém, com o auxílio de algumas lideranças políticas foram feitas duas audiências públicas em Brasília, na Comissão de Agricultura e Pecuária. “Defendi a proposta de tirar a proibição da lei e escrevi a proposta técnica para a mudança. Em 29 de março de 2017, 65 anos depois, o colostro passou a ser permitido no Brasil para uso humano”, conta.
Mais informações você encontra na edição de Bovinos, Grãos e Máquinas de agosto/setembro de 2017 ou online.
Fonte: O Presente Rural