Farmácia Sant’Ana tem até sábado para entregar plano de recuperação judicial

Desde janeiro há cerca de 500 colaboradores demitidos; empresa está em recuperação judicial

A Farmácia Sant’Ana tem até o próximo sábado (10) para apresentar o plano de recuperação judicial. Após demitir cerca de 500 funcionários e fechar 46 das 114 lojas no estado, a empresa, que já foi a maior rede de drogarias da Bahia, enfrenta a pior crise de sua história, com dívida de R$ 1,2 bilhão com o banco BTG Pactual.

Esta segunda-feira (5) foi determinada, em decisão da 16ª Vara do Trabalho, como a data final de pagamento de 478 ex-varejistas (balconistas, caixas e estoquistas) demitidos pela drogaria. Segundo informações do Sindicato dos Trabalhadores em Farmácia e Similares (Sintfarma), mais de 400 funcionários já receberam os valores no último dia 23 de fevereiro. A holding propôs aos varejistas a quitação de 70% do valor corresponde aos custos das rescisões. Somada, a quantia chega a R$ 3,7 milhões.

Na próxima terça-feira (6), será realizada uma audiência na Justiça do Trabalho para tratar do processo referente à segunda leva de demitidos – são 113 trabalhadores. Neste segundo processo, a dívida da Sant'Ana é entre R$ 700 mil e R$ 800 mil.

Os farmacêuticos demitidos não aceitaram a proposta da Brasil Pharma, gestora da Sant’Ana desde 2012, e devem se reunir em assembleia nos próximos dias para acertar os próximos passos. Pelo menos 30% deles não concordam em ter os benefícios trabalhistas cortados em 30% pela gestora da Sant’Anna, diz a diretora da ala jurídica do Sindicato dos Farmacêuticos da Bahia (SindFarma), Eliane Simões.

No dia 10 de janeiro deste ano, a holding ajuizou na Justiça de São Paulo um processo de pedido de recuperação judicial. Na prática, significava que o grupo, endividado em R$ 1,2 bilhão com o banco BTG Pactual, não conseguiu resolver os problemas financeiros.

A derrocada da Farmácia e o início da série de demissões e fechamento de lojas se tornaram públicos em janeiro, quando a Brasil Pharma ajuizou na Justiça de São Paulo um processo de pedido de recuperação judicial. Os detalhes do plano precisam ser apresentados pela empresa no próximo sábado (10).

Comprada pela empresa em fevereiro de 2012, a farmácia não teve como sair ilesa de medidas geralmente adotadas durante a fase de recuperação judicial, como demissões. A lei, explica o advogado e especialista no trâmite Rodrigo Accioly, é utilizada para que grupos “em quadro de endividamento muito forte” criem estratégias de recuperação fiscal. “Esse plano vai dizer: eu vou pagar os credores trabalhistas em tal tempo, despedirei tantas pessoas, fecharei tantas lojas. Isso com base no cenário do mercado que a empresa atua”, detalha.

As primeiras demissões de funcionários da farmácia aconteceram nos dias 30 e 31 de janeiro de 2018, antes mesmo da apresentação final do plano. O que não significa ilegalidade, já que uma empresa em fase de recuperação pode e deve funcionar normalmente, ressalta Accioly. Ocorre que, a partir do dia do deferimento do pedido, as corporações têm um prazo de 60 dias para apresentar o plano final. Antes disso, desde que não haja destruição do patrimônio ou pagamentos indevidos, a empresa em recuperação pode agir como queira.

A história e os porquês
O Centro de Itaberaba foi o primeiro endereço da Farmácia Sant’Ana, em 1947. Seu dono, o pojuquense José Lemos de Sant’Ana, escolhera a então pacata cidade da Chapada Diamantina para trabalhar como médico. Entre um paciente e outro, surgiu a ideia de construir uma farmácia, a segunda do lugar, depois da Farmácia Saraiva. “O homem empreendedor que havia nele falou muito alto e ele decidiu arriscar”, resume Juraci Queiroz, 70, pesquisador da história da cidade.

Na década de 50, o médico empreendedor decidiu se mudar com a esposa, Lucia Laranjeiras, para Salvador, e vendeu a farmácia para João Cícero Magalhães. A história da Sant’Anna, no entanto, estava apenas no início. Instalado em Salvador, e disposto a continuar no ramo, José fundou a primeira farmácia que daria início à rede de drogarias, nas Mercês, hoje fechada. De venda em venda, o negócio se expandiu pela capital e retornou ao interior até se tornar a principal drogaria do estado. No auge, de 1990 a 2012, a Farmácia Sant’Anna chegou a ter 120 lojas distribuídas por 14 cidades baianas.

No período, de 1995 a 2017, a Farmácia Sant’Anna foi campeã em todas as edições que concorreu ao Top Of Mind, prêmio entregue a empresas destacadas nos seus ramos de atuação. Os troféus representavam o que os baianos sabiam: uma marca da terra ascendia em um segmento ainda pouco explorado. A hospitalidade e a atenção dos funcionários aos clientes passaram a ser associadas ao sucesso.

Mas, no dia 20 de dezembro de 2011, o incêndio na central de funcionamento da rede, localizada na Avenida Paralela destruiu, além de medicamentos, a própria Sant’Ana, avaliam pessoas próximas da família. Doutor José, como era chamado, já estava morto, e seu filho, conhecido como Zezinho, estava à frente do negócio. Sem nunca ter explicado se as chamas que reduziram a escombros o depósito foram o motivo, ele vendeu a rede à Brasil Pharma, pouco tempo depois, em fevereiro de 2012.

“Ele [Zezinho] parecia não saber o que fazer com todo o dinheiro que ganhava. Deitava e rolava literalmente. Mas, antes a Sant’Ana remava sozinha, depois veio a concorrência, aconteceu o incêndio, aí a gestão ruim começou a transparecer”, opina um empresário que prefere não ser identificado. Para uma ex-funcionária, também faz sentido creditar a crise da drogaria, mesmo após vendida à Brasil Pharma, à antiga gestão da farmácia. “A estrutura da farmácia era sucateada, com operações à moda antiga, sistemas velhos”, revela. Em 2011, contaram ex-funcionários do galpão incendiado, o trabalho ainda era feito em máquinas de datilografia. Durante uma semana, o CORREIO tentou entrar em contato com Zezinho, mas ele não foi localizado.

A gestão, o incêndio e a chegada de concorrentes, afirma o professor e diretor da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Horácio Nelson Hastenreiter, podem sim ter contribuído para o quadro atual da Sant’Ana.

“Certamente se exigiu um grau de investimento que a farmácia, depois, não conseguiu manter. As farmácias foram mudando de escopo, investindo em logística, no mercado de informação. E pode ser que a Sant’Ana não tenha acompanhado”, afirma Horácio.

Ao assumir a gestão da farmácia, a Brasil Pharma modernizou os sistemas de operação. Chegaram os computadores, a internet, a tecnologia. No entanto, dizem ex-colaboradores e empresários próximos, faltou o básico nos novos administradores: conhecimento no setor farmacêutico. A holding, criada em 2009, começou a investir no ramo em 2010 e comprou sete grandes grupos. Um deles, a Big Ben teve 64 lojas fechadas em Pernambuco, com 574 demitidos, no mesmo intervalo que a Sant’Anna.

Uma farmácia a cada esquina

A retração da Farmácia Sant’Ana acontece justamente quando o mercado farmacêutico registra um crescimento nunca antes visto em Salvador. Apenas de 2011 a 2018, calcula o Conselho Regional de Farmácias da Bahia (CRF-BA) a pedido do CORREIO, o número de drogarias saltou de 734 para 1.416. E o avanço do setor deve muito ao envelhecimento dos brasileiros, defende o presidente da entidade, Mário Martinelli. “Com isso, vem a necessidade de tratar doenças crônicas com uso contínuo de medicamento, por exemplo”, associa.

Em 2012, viviam em Salvador 302 mil idosos, o correspondente a 10,6% dos moradores da cidade. Quatro anos depois, a velhice havia chegado para 439 mil soteropolitanos. Foi o segundo maior crescimento porcentual do país, abaixo apenas de Vitória, segundo o IBGE. A elevação é similar ao cenário baiano: o número de pessoas de 60 anos no estado passou de 1,7 milhão a 1,91 milhão no mesmo período.

Mas, não só da velhice se abastece o ramo das farmácias, ressalta Horácio Nelson Hastenreiter. O pipoco de estabelecimentos pelas ruas da cidade também está ligado ao “apelo à vida saudável”. “Vitamínicos, uma série de outros produtos passaram a ser mais demandados. Tanto que 33% do que é vendido em farmácias não são fármacos e sim produtos de conveniência, como escova de dente, desodorante, creme de barbear”, explica.

A vinda de gigantes do mercado de medicamentos a Salvador ilustra o balanço positivo do setor que cresce 20% ao ano, segundo o Fórum Expectativas 2018, do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma). Uma delas é a Rede Pague Menos, com 39 lojas em Salvador. O pico de construção de farmácias na cidade ocorreu entre 2012 e 2018, com 21 estabelecimentos abertos. A expectativa da empresa é de mais crescimento: para este ano, a meta é abrir 200 lojas em todo o Brasil, onde já possui 1.903 sedes.

Já a Drogaria São Paulo tem 43 lojas espalhadas por Salvador e 12 no interior do estado. Em 2017, foram inauguradas 11 novas filiais da marca na Bahia. A Drogasil, outro fenômeno em Salvador, não repassou o número de lojas à reportagem.

Os anos de venda e crise da Farmácia Sant’Anna também coincidem com o alastramento de farmácias e apontam para a hipótese de que sua queda contribuiu para a construção de drogarias na capital. Quanto a isso, não há consenso. Mas, entre uma novata e outra, aos 71 anos, a Farmácia Sant’Anna luta para viver, se reinventar e permanecer na memória e tradição do povo baiano.

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