Em experimento com ratos, a substância carvedilol reduz a gravidade e a quantidade de células cancerígenas, além de evitar o surgimento do tumor. A intenção dos cientistas americanos é usá-la no formato de protetor solar
Vilhena Soares
Publicação: 30/04/2017 04:00
Para se proteger dos danos causados pela exposição excessiva aos raios UV, a medida mais utilizada e recomendada pelos médicos é o uso do filtro solar, que impede problemas graves, como o câncer de pele. Uma descoberta feita por acaso pode trazer mais uma opção para essa medida preventiva. Pesquisadores dos Estados Unidos identificaram que o medicamento carvedilol, usado para combater a hipertensão, também consegue evitar os danos causados pela luz solar. O experimento foi feito com ratos e os resultados apresentados na reunião anual da Sociedade Americana de Farmacologia e Terapêutica Experimental, realizada na semana passada em Chicago, nos Estados Unidos.
As propriedades anticancerígenas do carvedilol foram detectadas por um ex-aluno de pós-graduação de Ying Huang, que é um dos autores do estudo e pesquisador da Universidade de Western (EUA). O orientando analisava se o medicamento poderia aumentar o risco de tumores. “Um erro experimental encontrou resultados opostos. Descobrimos que essa droga realmente pode prevenir o câncer. O que começou como uma falha levou a uma descoberta científica muito interessante”, detalhou Huang à reportagem.
A equipe resolveu analisar mais a fundo o tema e, para isso, utilizou células em cultura de ratos e também camundongos vivos. Descobriu que o carvedilol teve efeito protetor tanto nas células de pele de rato cultivadas e expostas aos raios UV quanto em ratos sem pelos que receberam a droga após sofrer exposição à luz solar. Esses roedores apresentaram redução na gravidade e no número de tumores que se desenvolveram, quando comparados às cobaias que não receberam o carvedilol. Além disso, os ratos medicados tiveram maior queda na formação de tumores de pele do que aqueles que receberam apenas a proteção do filtro solar.
Os investigadores ainda não conseguem esclarecer por que o medicamento anti-hipertensivo protegeu os animais do câncer de pele, mas acreditam que ele pode agir em moléculas ainda não identificadas. “O que já sabemos é que os alvos celulares do carvedilol não estão relacionados com os receptores beta-adrenérgicos, os alvos comumente atingidos por todos os remédios de sua classe, que combatem a adrenalina e o estresse. Ele, provavelmente, tem como alvo mecanismos que estão envolvidos no desenvolvimento do câncer, mas que ainda não conhecemos”, diz Bradley T. Andresen, um dos autores do estudo e também pesquisador da Universidade de Western.
Para o médico dermatologista Gilvan Alves, do Grupo Aepit, de Brasília, e integrante da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o trabalho americano é semelhante a outros da área científica em que um medicamento se torna possibilidade de tratamento para problemas de saúde diferentes de sua proposta original terapêutica. “Temos um exemplo parecido: cientistas que tratavam uma criança que sofria com hemangioma (um tipo de tumor frequente na infância) usaram um remédio utilizado também para tratar problemas cardíacos, o propranolol, e conseguiram resultados positivos. Outro caso semelhante é o minoxidil, criado para tratar hipertensão, mas que hoje é usado para o crescimento de cabelo”, ilustra o especialista, que não participou do estudo.
Pressão preservada Os resultados obtidos deixaram a equipe bastante otimista com o uso clínico da substância. “O carvedilol, ou uma droga semelhante a ele, pode ajudar a prevenir o câncer por meio de um mecanismo totalmente novo. Estamos trabalhando para decifrar qual é esse mecanismo”, diz Huang. Eles pretendem incorporar a substância a um creme de pele ou spray. Um dos desafios, porém, é criar um produto que atue na pele sem afetar a pressão arterial e a frequência cardíaca, que são comumente alteradas por remédios da classe do carvedilol. “Estamos trabalhando na compreensão do mecanismo anticancerígeno e queremos desenvolver uma formulação clinicamente útil para o carvedilol”, detalha Huang.
Alves também acredita que a pesquisa americana pode resultar em uma opção promissora para a prevenção do câncer de pele. “Essa substância poderá gerar um aditivo na proteção, que seria mais eficaz se usado com o protetor, na forma de um creme. Por exemplo, uma loção para ser usada depois que a pessoa volta da praia, tendo usado o protetor lá. Ela complementaria a prevenção com esse novo recurso”, cogita.
O dermatologista frisa ainda a necessidade de desenvolvimento de um produto seguro. “O importante é fazer com que ele possa ser usado sem riscos de efeitos colaterais, sem que a pressão da pessoa seja alterada. Esses especialistas precisam trabalhar em cima dessa molécula para que ela possa ser usada sem nenhum risco para a população. Por isso, mais testes devem ser feitos.”
Alta incidência
É um dos tumores que mais atingem a população mundial. De acordo com a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), o câncer de pele corresponde a 25% de todos os diagnósticos de carcinomas no Brasil. O tipo mais comum é o não melanoma, que ocorre nas células basais e representa 95% dos casos da doença. Já o melanoma tem origem nos melanócitos, células que produzem a melanina, e é a forma mais agressiva da doença. O Instituto Nacional de Câncer (Inca) estima que, anualmente, são diagnosticados cerca de 150 mil novos casos da enfermidade.