Ministério da Saúde suspende acordo para produção de hemoderivados
Parceria previa a transferência de tecnologia progressiva para a produção do Fator VIII recombinante, essencial para pacientes hemofílicos
Lígia Formenti e Daiene Cardoso, O Estado de S. Paulo
14 Julho 2017 | 22h38
BRASÍLIA – O Ministério da Saúde suspendeu a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) de um hemoderivado essencial para pacientes hemofílicos, o Fator VIII recombinante. Firmado em 2012 com a estatal Hemobrás e com a empresa Shire, o acordo previa a transferência de tecnologia progressiva para a produção do hemoderivado. A decisão do governo foi comunicada à Hemobrás nesta quinta-feira, 13.
A justificativa da pasta é a de que o andamento da parceria estaria em desacordo com as diretrizes estabelecidas no contrato. Procurado, o ministério afirmou que o ofício encaminhado para a Hemobrás integra fluxo administrativo e que até hoje não houve efetivamente transferência de tecnologia.
A suspensão da parceria ocorre um mês depois de o ministro da Saúde, Ricardo Barros, dar início pessoalmente a uma negociação que prevê a construção de uma fábrica de hemoderivados em Maringá (PR), seu reduto eleitoral. Pela proposta, um consórcio seria formado entre os laboratórios públicos estaduais Butantã (SP), Tecpar(PR), Hemobrás e a empresa suíça Octapharma. Os três laboratórios ficariam encarregados da produção de hemoderivados para o País. Para o plano seguir em frente, no entanto, o primeiro passo é terminar a PDP com a empresa Shire.
O diretor da Hemobrás, Oswaldo Cordeiro Paschoal Castilho, disse haver estoques suficientes de Fator VIII para atender a demanda de pacientes brasileiros até fevereiro. Não há, portanto, risco de desabastecimento a curto prazo até que a situação seja definida.
O ofício encaminhado pelo Ministério da Saúde dá um prazo de 10 dias para que a Hemobrás se manifeste e, caso interessada, apresente um plano alternativo de reestruturação.
De acordo com a PDP agora suspensa, a Shire deveria transferir todo o conhecimento de produção do Fator VIII para a Hemobrás. Enquanto a estatal brasileira não dominasse a técnica para fabricação, a Shire ficaria encarregada de abastecer toda a demanda do mercado. A previsão era a de que a Hemobrás começasse a produção num prazo de 5 anos. O cronograma, no entanto, nunca foi cumprido.
Além do atraso, provocado por erros no projeto, denúncias de superfaturamento e irregularidade nas obras, o acordo rendeu uma dívida da Hemobrás para Shire que hoje equivale a US$ 175 milhões.
"Não sei como isso poderá ser pago", disse Paschoal Castilho, que assumiu a direção da estatal em abril do ano passado. Ele atribui a dívida a problemas cambiais. De acordo com ele, o acordo feito com a Shire previa preços em dólar. Com a desvalorização do real, os preços dos hemoderivados subiram de forma expressiva. Sem repasse da União, a estatal não conseguiu arcar com os custos da compra do hemoderivado.
Paschoal Castilho tem dito que se a PDP fosse mantida e ajustes na obra realizados, em cinco anos haveria condições de se completar a transferência de tecnologia. Com isso o Brasil se tornaria autossuficiente na produção do hemoderivado recombinante, considerado a principal escolha para o tratamento de pacientes com hemofilia. Seu preço é 11 vezes maior do que o Fator VIII preparado a partir do plasma humano.
O ministro da Saúde, no entanto, avalia que outra solução tem de ser adotada. Para dar continuidade à PDP com Hemobrás e Shire, seria necessário um investimento de R$ 629 milhões. O consórcio defendido pelo ministro, por sua vez, não necessitaria de investimentos.
Pela proposta em análise, a Octapharma faria um investimento de US$ 500 milhões para produção de hemoderivados no País. Os recursos seriam suficientes para adaptar e finalizar as obras no Instituto Butantã e na Hemobrás na área de sangue. Também está incluída na conta a construção de uma fábrica na Tecpar. Hoje, o instituto do Paraná não apresenta nenhuma atividade ou estrutura na área de sangue.
Em troca do investimento, o laboratório suíço, ao lado do consórcio, ficaria com o monopólio do comércio de hemoderivados até a total transferência da tecnologia. A empresa fala num empreendimento de 25 anos.
A proposta, no entanto, despertou a preocupação do Ministério Público junto ao TCU. Um pedido formal de esclarecimentos foi encaminhado. Há ainda a resistência da Hemobrás e do próprio Instituto Butantã. Pelo formato proposto, os dois laboratórios ficariam encarregados da produção de hemoderivados considerados menos atrativos. À Tecpar, ficaria reservada a "cereja do bolo", que é a produção de hemoderivados recombinantes.