Anvisa autoriza a importação de medicamentos derivados da planta, mas alto custo ainda inviabiliza acesso de pacientes.
Ativistas e pacientes em tratamento apresentaram à Comissão de Prevenção e Combate ao Uso de Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (23/8/17), os benefícios do uso medicinal da maconha.
Apesar da autorização da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação controlada de medicamentos à base de canabinoides, substâncias extraídas da planta, os altos custos e a burocracia acabam por inviabilizar o acesso de grande parte da população aos produtos.
Para o presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (Ame+me), Leandro Ramirez, esses remédios deveriam estar à disposição de qualquer cidadão nas farmácias, mas o preconceito, aliado a uma legislação retrógrada, impedem o tratamento mais adequado dos pacientes.
Ramirez é pai de um menino epilético, que apresentava um quadro clínico de crises convulsivas de difícil controle. A vida de seu filho estava em risco quando ele decidiu, como definiu, “traficar” pelos Correios o óleo da maconha, rico em canabidiol, também conhecido como CDB. O progresso do garoto com o uso da substância foi perceptível, com o desenvolvimento de atividades cognitivas e motoras.
Já à frente da associação, Leandro Ramirez coordenou o acompanhamento de outros pacientes, epiléticos e autistas, submetidos a tratamentos com derivados da maconha. Os resultados foram animadores: maior controle de crises convulsivas, da hiperatividade e do déficit de atenção, bem como a redução do uso de medicamentos, de efeitos colaterais e de internações hospitalares, entre outros benefícios.
Segundo Ramirez, que é médico oncologista, estudos recentes indicam que os canabinoides podem contribuir de forma efetiva no tratamento de doenças como Alzheimer, câncer, diabetes, esclerose múltipla e depressão.
No entanto, outros empecilhos para a difusão desses produtos seriam a resistência de médicos em prescrevê-los e os interesses da indústria farmacêutica, que não pode patentear substâncias naturais, como o canabidiol.
Pacientes relatam maior qualidade de vida
Juliana Paolineli, vice-presidente da Ame+me, ressaltou a qualidade de vida que obteve com o tratamento baseado no uso medicinal da maconha. Com uma doença severa incurável na coluna, ela sofria com dores intensas e os efeitos colaterais dos diversos medicamentos que tomava.
Após o uso controlado de extratos da planta, os sintomas se reduziram drasticamente, ela voltou inclusive a menstruar e veio a engravidar. Juliana solicitou ao seu médico a indicação para poder importar canabinoides e foi uma das primeiras brasileiras a receber uma liminar a favor do procedimento. “Não poderia me contentar com uma doença sem solução”, salientou.
Ela lembra, no entanto, o expressivo valor da medicação que precisava: 9 mil doláres por três frascos. No seu entender, o desafio da democratização do produto só será superado com pesquisa e qualificação para o cultivo medicinal da planta.
Lobby – O juiz federal Renato Martins, que retirou um tumor do cérebro, também lamentou que apenas pessoas com uma situação econômica estável como a dele possam bancar o tratamento com canabinoides.
Ele ressaltou que, como magistrado, se vê às voltas com a judicialização da saúde – uma profusão de ações judiciais cobrando que o governo importe medicamentos muitas vezes experimentais para o tratamento de pacientes.
De acordo com o Renato, enquanto a venda de remédios envolvidos com um lobby mais forte e sem efetividade comprovada acabam sendo autorizada, outros, como os derivados da maconha, encontram maior resistência.
Legislação brasileira precisa ser atualizada
Apesar do cultivo da maconha para fins medicinais ser uma das principais demandas dos defensores da causa, a legislação brasileira prevê pena de detenção para quem planta, cultiva, guarda, transporta e adquire a planta com esse objetivo.
Recentemente, o PPS, a pedido do deputado Antônio Jorge, membro do partido, ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade, pedindo a liberação da cannabis para uso medicinal.
De acordo com o deputado, é preciso deixar de lado o fundamentalismo moral que envolve a questão para que sejam discutidos os benefícios para a sociedade. “O Estado não pode proibir atitudes individuais que não prejudiquem ninguém”, ponderou, ao lembrar o acúmulo de evidências favoráveis ao tratamento com canabinoides.
O deputado Dilzon Melo (PTB) ressaltou que o tema será inevitavelmente tratado na Assembleia, por meio de algum projeto de lei. Ele argumentou, contudo, que o Legislativo precisará se inteirar mais sobre o assunto, inclusive com a comparação de experiências adotadas em outros países, para formatar uma lei precisa, que não abra brecha para o uso indevido da maconha.
Na mesma linha, o presidente da Associação Médica de Minas Gerais, Lincoln Ferreira, explicou que a entidade não se opõem à comercialização de medicamentos à base de maconha no País, desde que haja rigorosa fundamentação científica para a sua regulamentação.