A necessária autorização da fabricação do canabidiol no Brasil
Arisa Venerando Shirosaki
Atualmente, o canabidiol é considerado uma substância proscrita, sem fabricação nacional, razão pela qual a sua importação para uso depende de autorização da Agência reguladora.
quarta-feira, 10 de maio de 2017
A lei 11.343 de 23 de agosto de 2006 (conhecida como “Lei Antidrogas”) estabelece, entre outras diretrizes, a proibição da produção, comercialização e consumo de drogas ilícitas, as quais são enumeradas através da Portaria 344, de 12 de maio de 1998, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. Em alguns casos, porém, apesar de todas as normas bioéticas, essas drogas são usadas como medicamentos terapêuticos, o que gerou discussão sobre o tratamento médico com drogas ilícitas.
A Anvisa, a fim de definir o enquadramento de algumas delas, abriu espaço para o debate sobre a permanência ou não destas substâncias na lista de produtos controlados, notadamente em relação ao canabidiol. Atualmente, o canabidiol é considerado uma substância proscrita (de uso proibido), sem fabricação nacional, razão pela qual a sua importação para uso depende de autorização da Agência reguladora.
Em oportunidades outras, diante da ausência de qualquer normativa da Anvisa, diversas foram as autorizações excepcionais de importação para uso pessoal, citando-se, a título de exemplo, os casos relatados nos Processos 24632-22.2014.4.01.3400 (3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal), 027/5.15.0000239-8 (Juizado da Infância e Juventude da Comarca de Santa Maria/RS), 0090670-16.2014.4.01.3400 (16ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal), 0065693- 21.2014.4.01.3800 (13ª Vara Federal da Seção Judiciária de Minas Gerais) e 5021637-11.2016.4.04.0000 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Desde 06 de maio de 2015, a Anvisa define os critérios e os procedimentos para a importação de produtos à base de canabidiol, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde, sempre em caráter de excepcionalidade. Tais definições foram estabelecidas por meio da Resolução da Diretoria Colegiada do órgão – RDC 17/15.
Em seu Anexo I, a referida Resolução traz uma lista de onze produtos à base de canabinóides – todos eles sem registro no Brasil e sem teste clínico aprovado pela Anvisa – mas que tiveram autorização de importação anterior por parte da Agência.
A RDC 17/15, portanto, é um avanço tímido, embora significativo, para a autorização do uso medicinal de referidas substâncias, ainda mais considerando os resultados positivos – públicos e notórios, visto que divulgados amplamente pela imprensa nacional – obtidos através do uso do canabidiol para o tratamento de doenças neurológicas. Em 05 de dezembro de 2016, mais um passo foi dado: a Anvisa autorizou a venda do canabidiol através de notificação receituário médico do Tipo A, específica para entorpecentes.
É preciso, agora, efetuar a análise jurídica da situação da utilização da cannabis para fins terapêuticos, medicinais e científicos no Brasil.
De fato, o Estado brasileiro, em sua formulação tripartite, atua separadamente, de forma independente e harmônica, de modo que a decisão geral e abstrata a respeito da legalização do uso da Cannabis (desde o medicinal até o recreativo), deve se dar após a manifestação democrática de todos os poderes. Contudo, essa política proibicionista não pode servir de fundamento para a abstenção à promoção do bem-estar individual, sob pena de se ignorar o direito social à saúde, previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, além de criar obstáculos aos avanços científicos.
Não se ignora os efeitos nocivos aos usuários da cannabis – como, por exemplo, o caráter alucinógeno encontrado no THC e seus derivados –, porém, estas mesmas substâncias possuem potencial paliativo e curativo no tratamento de diversas doenças graves, sendo alternativa segura quando prescritas em uso comedido.
O custo da importação do canabidiol é alto, mas é evidente que, no que se refere ao emprego medicinal de substâncias com capacidade entorpecente, a política de saúde nacional –repressiva e preventiva – precisa abrir uma exceção quanto ao seu uso. Tanto é que, enquanto a indústria farmacêutica se prepara para inserir no mercado de consumo o primeiro medicamento à base da cannabis, a produção nacional caseira da referida substância foi, recentemente, autorizada pelo Poder Judiciário, em casos específicos.
Noutros termos, o Estado precisa desempenhar seu papel de proteção social, não necessariamente abrindo mão do combate ao uso de substâncias consideradas danosas à saúde coletiva, mas reconhecendo o direito de uma vida humana digna às pessoas que sofrem com doenças graves – tais como a epilepsia refratária, mal de Parkinson, dores neuropáticas e/ou incapacitantes, artrite reumatóide, mal de Alzheimer, esclerose múltipla, doença de Chron, glaucoma, etc. – na medida em que estas passam a encontrar alívio a um sofrimento que não responde aos tratamentos convencionais disponíveis no atual mercado farmacêutico brasileiro.
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*Arisa Venerando Shirosaki é advogada atuante na área de Direito Regulatório e Sanitário.
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