Participação dos fitoterápicos no mercado brasileiro é ainda muito aquém do seu potencial e liderado por produtos estrangeiros, alerta especialista

“O uso sustentável da biodiversidade e a repartição dos benefícios derivados dos conhecimentos tradicionais associados e da pesquisa científica do patrimônio genético poderia garantir acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos pela população, com eficácia e qualidade”, explica Arthur Chioro, professor da Unifesp e ex-ministro da Saúde

Os brasileiros estão, cada vez mais, aderindo a tratamentos à base de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos: entre 2013 e 2015 a busca por esses produtos no Sistema Único de Saúde (SUS) mais que dobrou, crescendo 161%, segundo o Ministério da Saúde. Mesmo assim, é possível ampliar o uso desses medicamentos, afirmam os participantes do Simpósio Fitoterapia no SUS (Sistema Único de Saúde), realizado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) e o Programa de Pós-Graduação em Biologia Química da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) no início de junho.

Segundo Arthur Chioro, professor-adjunto do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina/Unifesp e ex-ministro da Saúde, o Brasil possui enorme potencial de desenvolvimento do setor de plantas medicinais e fitoterápicos, mas para isso, precisa melhorar algumas lacunas. “O uso sustentável da biodiversidade e a repartição dos benefícios derivados dos conhecimentos tradicionais associados e da pesquisa científica do patrimônio genético poderia garantir acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos pela população, com eficácia e qualidade”, explica. Entretanto, afirma ele, a maioria dos serviços vinculados ao SUS no Brasil ainda não incorporaram sequer os 12 medicamentos fitoterápicos que já constam da Relação Nacional de Medicamentos (Rename).

O docente explica ainda que quando os medicamentos estão disponíveis, eles não são conhecidos e prescritos pelos médicos. “E a população também não sabe que tem direito ao uso de fitoterápicos no SUS, embora os consuma largamente, adquiridos em farmácias – em particular aqueles produzidos por laboratórios estrangeiros, a partir de plantas que não existem no Brasil”, explica.

Durante a mesa-redonda “Formulação de propostas para o futuro da Fitoterapia no Brasil”, diversas ações foram discutidas pelos participantes para ampliar o uso dos fitoterápicos pelo SUS. Chioro explica que são fundamentais a Lei de Acesso à Biodiversidade, o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação e a revisão e aprimoramento das regras da Vigilância Sanitária, sob responsabilidade da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Será necessário rever a lista de plantas medicinais de interesse para o SUS e, a partir  daí, valorizar e priorizar  investimentos em pesquisas clínicas e recursos para que laboratórios públicos e privados nacionais possam desenvolver e produzir insumos farmacêuticos a partir de plantas nacionais”, explica.

Por outro lado, ele ressalta que é preciso sensibilizar as secretarias municipais de saúde para que ampliem a demanda por fitoterápicos e produzir ações de capacitação e educação permanente, em particular para os médicos que atuam na atenção básica e na Estratégia Saúde da Família, para que possam conhecer melhor os potenciais e passarem a prescrevê-los. “Não podemos desconsiderar o potencial de indução que o SUS, como maior comprador de medicamentos, tem de alavancar a produção de fitoterápicos”, explica.

Helena Nader, presidente da SBPC, ressalta que é preciso dar mais valor à biodiversidade brasileira. “É muito importante discutir fitoterápicos. Não podemos esquecer que a maioria dos produtos utilizados no Brasil tem como base plantas de outros países. Ou seja, o Brasil, mais uma vez, com sua mega biodiversidade, é passado para trás”, lamenta.

Nader ainda ressalta que este assunto é muito relevante porque é preciso garantir, por meio de uma legislação moderna, que a população tenha acesso seguro aos medicamentos de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade brasileira, que é muito rica. “Mas o que temos são legislações míopes, que impõem gargalos para o avanço da ciência, tecnologia e inovação no País”, alerta.

Ricardo Tabach, pesquisador do Cebrid/Unifesp, acrescenta que o uso dos fitoterápicos é bastante difundido no Brasil e bem aceito pela população, pois, além da tradição e dos aspectos culturais, existe a crença de que “o que vem da terra não faz mal”, porém esta ideia não reflete a realidade, uma vez que muitos medicamentos à base de plantas podem prejudicar a saúde. Por isso, é preciso mais pesquisas. “Mesmo tendo essa necessidade, temos encontrado muitas dificuldades em função de uma legislação bastante restritiva que obriga o pesquisador a enfrentar uma infinidade de entraves burocráticos que desestimulam as pesquisas neste setor”, lamenta.

Pesquisas no Brasil

Para Chioro, a participação dos fitoterápicos no mercado de medicamentos é ainda muito aquém do seu potencial e liderado por laboratórios estrangeiros e produtos formulados a partir de plantas que não existem no Brasil. Por outro lado, as plantas medicinais são largamente utilizadas pela população, muitas vezes sem o devido cuidado, sem a necessária comprovação de sua eficácia e sem a compreensão de que podem ser tóxicas. “O grande desafio é garantir o uso seguro e racional de plantas medicinais e fitoterápicos, e de utilizar plenamente o potencial da nossa biodiversidade para produzir mais saúde para a população brasileira”, diz o professor da Unifesp.

Para Tabach, os fitoterápicos têm uma participação importante no mercado de medicamentos porque eles refletem a nossa cultura, nossa tradição e história. Além disso, são medicamentos de baixo custo aos quais parte da população está habituada, pois aprendeu a usá-los com seus avós e pais. Mas lamenta que, por diversos motivos, seu acesso ainda está “caminhando” no SUS.

Fitoterápicos

Atualmente, o SUS oferta 12 medicamentos fitoterápicos. Eles são indicados, por exemplo, para uso ginecológico, tratamento de queimaduras, auxiliares terapêuticos de gastrite e úlcera, além de medicamentos com indicação para artrite e osteoartrite.

De acordo com o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), os fitoterápicos mais utilizados na rede pública são o guaco, a espinheira-santa e a isoflavona-de-soja, indicados como coadjuvantes no tratamento de problemas respiratórios, gastrite e úlcera e sintomas do climatério, respectivamente.

Os produtos fitoterápicos e plantas medicinais, assim como todos os medicamentos convencionais, são testados para o conhecimento da eficácia e dos riscos de seu uso, e também para garantir  a qualidade do insumo. Cabe à Anvisa e às Vigilâncias Sanitárias Municipais e Estaduais o controle desses medicamentos.

Vivian Costa – Jornal da Ciência

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