Alta nas vendas de produtos com baixo teor de lactose aumenta investimentos

Indústria aposta na pesquisa e na ampliação da linha de itens para buscar novos clientes

Cíntia Marchi

As vendas de leite com baixo teor de lactose (açúcar do leite) cresceram 40% em 2015 e mais 40% em 2016, revelaram dados da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas). A comercialização desta variedade já corresponde a 5% do mercado de leite no Rio Grande do Sul.

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Em contrapartida, o volume de vendas do tradicional leite longa vida caiu 5% do final de 2014 ao final de 2016. De olho na forma como o alimento tem transitado na mesa dos gaúchos, as indústrias se movimentam para atenuar o enfraquecimento das vendas e aproveitar as oportunidades que surgem com um novo nicho de mercado.

Diante da equação, os laticínios atuam em pelo menos três frentes. Em uma delas buscam ampliar o portfólio de produtos. Em outra tentam desfazer os mitos criados em torno do leite longa vida para que o consumo do “carro-chefe” volte a crescer. E na terceira apostam na área de pesquisa para atender as novas exigências dos consumidores, que são crescentes (na página 2, conheça o projeto de produção de leite sem a proteína causadora de alergia).

Levantamento do Sindicato da Indústria de Laticínios e Produtos Derivados (Sindilat/RS) mostra que há potencial para fomentar o consumo no País. O brasileiro ingere, em média, 178 litros por ano. Os vizinhos argentinos e uruguaios consomem 203 e 242 litros, respectivamente. A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) recomenda o consumo anual de 220 litros por pessoa. 

O aumento do consumo, contudo, depende da melhoria do poder de compra dos gaúchos impactados pela crise econômica, da reconquista da confiança perdida pelas fraudes de adulteração do leite reveladas nos últimos anos e também da disseminação de mais informações sobre o alimento, que é fonte barata de diversos nutrientes. “De tempos em tempos, aparecem informações sobre vilões da alimentação, como já ocorreu com o ovo e com o glúten. Agora, a vilã da vez é a lactose.

Mesmo sem um diagnóstico, as pessoas ouvem falar da intolerância à lactose e da alergia à proteína do leite de vaca e acabam restringindo o leite das suas dietas”, observa o médico alergista Gil Bardini Alves, integrante da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia.

Para a professora da área de Tecnologia de Leite e Derivados da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Neila Richards, dois terços das pessoas que preferem o leite com baixo teor de lactose são influenciados por “moda” e não por necessidade. “O aumento exagerado do consumo do leite com baixo teor de lactose chega a ser um problema porque o organismo daquelas pessoas que não têm intolerância, quando fica muito tempo sem ingerir nada com lactose, começa a perder a enzima que tinha a função de quebrar o açúcar do leite”, alerta.

A veterinária Roberta Züge, participante do Conselho Científico Agro Sustentável, recomenda que as pessoas busquem conhecer melhor os benefícios do leite. “Muitas vezes, circulam informações contrárias ao leite que são totalmente prejudiciais para aqueles que deixam de ingeri-lo. A conta vem com o tempo”, adverte. Segundo a FAO, o leite contém proteínas, calorias, cálcio, magnésio, selênio, riboflavina e vitaminas A, B5, B12, C e D.

Valor agregado

Se a lactose é motivo para uma parcela de consumidores refutarem o tradicional leite longa vida, ela também abre oportunidades de mercado para os laticínios. O presidente do Sindilat e do Conselho Paritário Produtores/Indústrias de Leite do Estado (Conseleite), Alexandre Guerra, afirma que grande parte das indústrias já tem em seus portfólios produtos especiais. Para elaborá-los, as indústrias reduzem os níveis de lactose do leite, mas preservam todos os outros nutrientes.

Segundo Guerra, em 2016, uma parcela de 2,5% do total de leite processado no Brasil era destinada às linhas especiais, sobretudo para a de baixo teor de lactose. Em 2017, o percentual passou para 3,3%. “É uma oportunidade que existe para as indústrias e para os produtores. Quando uma empresa lança um novo produto, ela consegue agregar valor, ter uma margem diferenciada de lucro e remunerar melhor o fornecedor da matéria-prima”, ressalta Guerra, que também é diretor administrativo e financeiro da Cooperativa Santa Clara. Em 2014, a empresa disponibilizou ao mercado o leite zero lactose e, na sequência, queijos, nata e doce de leite.

Atenta às tendências de consumo, a Cooperativa Piá também embarcou nesse mercado. De dois anos para cá, lançou leite, iogurte, requeijão, doce de leite e, mais recentemente, o achocolatado, tudo voltado para o público que restringe lactose na alimentação.

O presidente da Piá, Jeferson Smaniotto, diz que o mercado desse tipo de produto cresce na ordem de dois pontos percentuais ao ano. Segundo o executivo, os itens da linha especial saem da indústria com valor maior porque é necessário considerar os custos de produção mais elevados, bem como o tempo de fabricação, já que se inclui no processo industrial a etapa do uso da lactase, enzima que transforma a lactose em glicose.

O assessor de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Márcio Roberto Langer, confirma que o produtor de leite consegue ser melhor remunerado na medida em que surgem novos produtos no mercado. No entanto, vai depender muito da região onde ele está inserido. “As marcas atentas às tendências estão muito concentradas no Vale do Taquari, na Serra e no Norte do Estado. Lá, há uma disputa mais acirrada pelo leite dos produtores, principalmente aqueles com melhor qualidade”.

Segundo Langer, há um esforço da Fetag e outras entidades para se chegar a uma fórmula de formação de preço e de remuneração mais justa aos produtores, levando em consideração as mudanças no mix de produtos na área do leite nos últimos anos.

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