Robert Whitaker, jornalista e escritor: “A indústria farmacêutica capturou a psiquiatria”
Americano, especializado em medicina e ciências, veio ao Rio para lançar livro publicado no Brasil pela Editora Fiocruz
por Nelson Gobbi
19/07/2017 4:30
"Investigo o fenômeno da medicalização, em particular a influência das drogas utilizadas na psiquiatria. Já publiquei quatro livros. Ganhei o Prêmio George Polk para Escrita Médica, em 1998, por meus artigos sobre a psiquiatria e a indústria farmacêutica, e fui finalista do Prêmio Pulitzer no Serviço Público, em 1999."
Conte algo que não sei.
Nos EUA, a porcentagem de pessoas que tomam medicamentos para doenças psiquiátricas cresceu de forma espantosa. Hoje, cerca de 20% tomam essas drogas todos os dias. Mais de 10% das crianças nas escolas americanas estão medicadas e, nas universidades, 25% dos estudantes tomam os remédios.
Esses medicamentos ajudam a diminuir as doenças psiquiátricas?
Não. Com o tempo, medicamentos mais efetivos foram desenvolvidos. Os níveis de problemas em relação a doenças psiquiátricas deveriam diminuir, mas todas as evidências mostram o contrário. E está acontecendo o mesmo em todos os países que adotam este modelo de tratamento. Temos de nos perguntar: estamos no caminho certo?
O que as atuais pesquisas científicas demonstram?
Elas apontam que os remédios têm eficácia imediata. Depois de seis semanas, os grupos que tomam os medicamentos têm melhores respostas do que os que tomam placebos. Mas o que acontece com essas pessoas depois de três, cinco, dez anos de uso regular? Há mais de 40 anos, já existia a preocupação de que o uso contínuo de antidepressivos poderia causar depressão crônica.
Por que estas pesquisas não chegam ao grande público?
Até a década de 1980, grande parte dos psiquiatras não tinha boa reputação nos EUA, muita gente não os via como médicos “de verdade”, e eles queriam melhorar sua imagem. Um caminho para isso foi a prescrição de remédios, a adoção do discurso de que os desequilíbrios químicos estavam por trás de muitas doenças mentais. Ao mesmo tempo, a indústria farmacêutica começou a dar muito dinheiro para a área, a financiar pesquisas, patrocinar congressos. Foi a época em que essas ideias começaram a ser exportadas para o mundo. A indústria capturou a profissão.
Existe alguma outra saída para evitar os remédios?
Há pesquisas que demonstram que os sintomas da depressão podem regredir sem os medicamentos, mas é um processo que leva mais tempo. Por isso, os remédios são o método mais usado.
E em relação ao Transtorno do Déficit de Atenção? Crianças e jovens estão sendo medicadas precocemente?
Essa é uma preocupação dos pais em todo o mundo. Nos EUA, começamos a medicar jovens e crianças há mais de 30 anos, e não há nenhuma evidência de que eles têm melhor desempenho depois de adultos. Pelo contrário, depois de anos tomando esses remédios os jovens têm sintomas piores e começam a receber outros diagnósticos, como transtorno bipolar ou esquizofrenia. Ouvi relatos de que aqui no Brasil estão receitando Risperidona para crianças de três e quatro anos. É um remédio fortíssimo.
Qual seria a solução para esses problemas?
Vivemos em uma sociedade altamente medicada, é um problema global. Por outro lado, temos resultados positivos com experiências com escolas que dão mais tempo para as crianças brincarem, que optam por alimentação saudável ou mudam a forma de os professores ensinarem. Em todos estes casos, os sintomas de TDAH desaparecem. Temos que escolher entre mudar nossas escolas e nosso modo de vida ou continuar medicando nossas crianças.
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