Pesquisa genética requer nova discussão

Avanço em laboratórios passa a dar segurança no ‘conserto’ de genes, para curar doenças hereditárias, e isso é motivo suficiente de se rever a Lei de Biossegurança

por O Globo
20/08/2017 0:00

É da natureza da pesquisa científica o avanço constante. Cada obstáculo encontrado nos ensaios de laboratório levam o cientista a buscar soluções para superá-lo. Assim tem sido desde sempre e, depois do avanço da microeletrônica e do processamento de dados, em velocidade crescente.

Mas, como precisa ser, a ciência não pode estar desconectada da ética e dos arcabouços jurídicos. Daí a relevância de periódicas discussões na sociedade, a fim de que a pesquisa, em especial no campo genético, não atropele conceitos morais e a Constituição. Mas que também não seja tolhida e deixe de ajudar o ser humano na prevenção e tratamento de incontáveis doenças, forçada por conceitos mal construídos que podem ser superados pelo diálogo em mediação feita em instituições da República.

Foi o que aconteceu na rica experiência vivida por pesquisadores, políticos, magistrados, organizações sociais e grupo religiosos a partir da aprovação, pelo Congresso, da Lei de Biossegurança em 2005. Três anos depois, com muito debate e confronto de ideias, o Supremo aprovou pesquisas com células-tronco embrionárias, sob certas condições.

Em vez de embriões que são deixados por casais em laboratórios ficarem sem utilização, até serem descartados, passou a ser possível, em comum acordo, destiná-los a pesquisas promissoras, para o enfrentamento, pela via genética, de várias doenças degenerativas ou não. Diabetes, lesões cardíacas, traumas em feixes nervosos etc.

Chega a hora de nova e ampla rodada de reflexão coletiva, agora a partir de avanços de cientistas americanos e chineses no delicado campo da engenharia genética, para que genes modificados com segurança impeçam a transmissão de doenças de pais para filhos e seus descendentes.

Em artigo publicado no GLOBO, a geneticista Lygia Pereira exemplificou: a técnica desenvolvida por estes cientistas permitiria que a atriz Angelina Jolie tivesse filhos sem o risco de herdarem a propensão da mãe a desenvolver câncer de mama. Antes desta técnica, menos de 10% dos embriões manipulados tinham o gene defeituoso corrigido. Com este novo avanço, 72% dos embriões tiveram o gene “consertado”, e como os cientistas queriam.

Não se discute que este é um terreno perigoso, fronteiriço de tentações de busca de “raças” perfeitas, de eugenia, já ocorridas nas décadas de 30 e 40 com resultados catastróficos para a Humanidade. Mas a razão leva a que se abra novo debate sobre o tema, como ocorre no mundo.

A Lei de Biossegurança proíbe de forma expressa este tipo de pesquisa. Faz bem. Mas não se deve desconsiderar o fato novo do progresso dos cientistas americanos e chineses. E o Brasil já aprendeu como mediar uma discussão produtiva entre a Ciência, a Justiça, a Religião e o povo, por meio de seus representantes, para que o país possa participar, e se beneficiar, da continuidade deste esforço científico em favor da vida.

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