Justiça autoriza mulher a importar semente de cannabis para ‘uso medicinal’

Decisão da 4.ª Vara Federal Criminal de São Paulo abre caminho para servidora pública federal, autora de ação, produzir óleo de cânhamo e proíbe polícia de promover apreensão ou indiciar por crime de tráfico de drogas

Luiz Vassallo e Julia Affonso

19 Agosto 2017 | 12h00

Uma mulher garantiu, por meio de um habeas corpus preventivo (HC), o direito de importar sementes da cannabis sativa para cultivar em sua residência, com o objetivo de produzir seu próprio óleo de cânhamo para fins medicinais. A decisão da juíza federal Renata Andrade Lotufo, da 4.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, impede que autoridades policiais apreendam as sementes, bem como, indiciem a mulher por crime de tráfico de drogas.

As informações foram divulgadas pelo Núcleo de Comunicação Social da Justiça Federal de 1.º Grau.

Em 2014, a paciente – uma servidora pública federal – foi diagnosticada com síndrome parkinsoniana, cujos sintomas a impediram de exercer seu trabalho de servidora pública.

Para o tratamento da doença, foi indicado, além de medicamentos tradicionais, o uso de óleo de cânhamo, o qual, além combater os sintomas, auxilia no tratamento dos efeitos colaterais da própria medicação alopática.

Recentemente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acolhendo vários estudos e testes sobre a eficácia do uso do canabidiol para fins terapêuticos, incluiu a cannabis sativa em seu rol de plantas medicinais, de uso controlado.

A Anvisa não permite a produção do óleo de cânhamo no Brasil. Ela apenas autoriza sua importação, que tem custo elevadíssimo, o qual a servidora não consegue arcar e, por isso, pretende importar apenas a semente da cannabis sativa, para cultivá-la e produzir seu próprio óleo para fins medicinais.

Diante do pedido, a juíza Renata Lotufo verificou que ‘não há uma jurisprudência pacífica nos tribunais federais acerca do tema’.

Ela cita trecho de um voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, o qual diz que ‘a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos’.

“Desse extenso resumo sobre as oscilações rítmicas da jurisprudência sobre as sementes da maconha e a questão do uso próprio, extraem-se as seguintes conclusões: o direito e a sociedade estão amadurecendo sobre o uso próprio de drogas; a jurisprudência é absolutamente insegura em relação ao assunto, caso a impetrante resolva arriscar importar por conta e risco as sementes de maconha”, pondera Renata.

A juíza afirma que como só é possível a obtenção do óleo via importação, o tratamento fica restrito a um pequeno público, ferindo o direito constitucional da isonomia e que a medida – possibilidade de importação -trouxe pouco alento para aqueles que não sejam de família de classe média alta ou alta.

Renata Lotufo lembra que o cultivo e produção caseira do óleo medicinal da maconha, já liberado em outros países, é uma realidade no mercado paralelo brasileiro, inclusive sendo possível assistir na internet a vídeos com tutoriais ensinando a fazer o óleo.

“Assim, é totalmente admissível, tolerável e compreensível o desespero das famílias que produzem seu próprio óleo medicinal, já que mal de Parkinson, esclerose múltipla são doenças com sintomas que trazem bastante sofrimento aos pacientes e suas famílias”, enfatiza a magistrada.

Por fim, ela considera que não há indícios de que a servidora irá cometer quaisquer delitos relacionados ao uso indevido ou ao tráfico de entorpecentes, ‘haja vista que busca somente melhores condições de vida no convívio de sua enfermidade, a qual não possui cura até a presente data’.

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