Indústria farmacêutica: marketing desenfreado e mercado em ascensão
A indústria farmacêutica não conhece a recessão. Mesmo no contexto das restrições econômicas que grassam não apenas no Brasil, mas em âmbito mundial, o faturamento do mercado varejista continua em ascensão, mostrando ser uma das indústrias mais poderosas do mundo, impondo seus interesses e seus produtos. Entretanto, precisa lançar mão de estratégias nada ortodoxas para assegurar a fidelidade a suas marcas e assim aumentar o faturamento e o domínio de fatias de mercado.
Faturando mundialmente cerca de um trilhão de dólares por ano, esse segmento está crescendo no Brasil. Dados do IMS Health mostram que de décimo maior mercado, em 2010, o país passou a sétimo, em 2015, com expectativa de ser o quinto maior mercado farmacêutico em 2020. Isso representa, hoje, um faturamento anual em torno de R$87 bilhões. Os medicamentos genéricos, que vêm aumentando seus aportes, representam cerca de 22% do mercado no Brasil.
São 65 mil farmácias, 50% delas agrupadas em grandes redes de varejo, que transformam o mercado farmacêutico varejista num grande campo de batalha de interesses e disputas.
Analisando o rateio das empresas farmacêuticas no faturamento do mercado nacional, verificamos que aquelas de capital nacional vêm crescendo e conquistando lugar de destaque. Entretanto, ao olharmos para os medicamentos mais vendidos no Brasil em 2016, observamos que a grande maioria dos produtos é comercializada por empresas de capital transnacional. Há uma partilha desse mercado entre produtos restritos a indicação e prescrição médica, como é o caso de anticoagulantes, anti-hipertensivos, e produtos para o manejo de diabetes, asma e doença de Parkinson. Há, ainda, produtos de uso rotineiro como analgésicos, anti-inflamatórios, descongestionantes nasais, vitaminas e protetor solar.
Podemos considerar três vertentes diferentes de propaganda e marketing da indústria no Brasil para proteger suas marcas e seus produtos: aquela direcionada ao médico, na tentativa de fidelizar marcas comerciais; aquela direcionada ao comércio farmacêutico, oferecendo vantagens e descontos nos seus produtos, a serem priorizados diante do comprador; e aquela direcionada ao consumidor, para obter preferência por determinados nomes comerciais, incluindo propaganda na imprensa leiga, em veículos de comunicação, ou até outdoors, entre outras estratégias de mídia.
Do ponto de vista da saúde pública, essas estratégias encerram riscos, pois atendem a interesses comerciais sem vinculação com protocolos ou diretrizes terapêuticas. Chegam a ferir a ética, como é o caso da promoção de eventos para seduzir médicos e impor determinadas marcas e produtos para consolidar segmentos do mercado farmacêutico. Não necessariamente os produtos são mais eficazes, mais seguros ou mais baratos. Essas práticas comerciais acompanham o declínio do ensino da Farmacologia Clínica na maioria das nossas escolas de Medicina. Estamos, assim, diante de um campo de batalha em que interesses se digladiam e o comércio prevalece sobre a saúde.
*Jorge Bermudez, médico e pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), integrante do Painel de Alto Nível em Acesso a Medicamentos do secretário-geral das Nações Unidas.
Este artigo foi publicado originalmente no site do Centro de Estudos Estratégicos (CEE/Fiocruz).
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