Por que as indústrias estão expandindo suas lojas no varejo
Executivos da Samsung e Bauducco explicam as razões que levam os fabricantes a vender diretamente para o consumidor e orientam empreendedores a criar modelos de negócios complementares. O risco é criar conflitos com parceiros varejistas
Por Italo Rufino 31 de Agosto de 2017 às 13:00
| Repórter isrufino@dcomercio.com.br
Em 1948, desembarcava em São Paulo o senhor Carlo Bauducco, imigrante vindo da Itália. Em sua mala, havia uma receita de um bolo com uvas passas e frutas cristalizadas.
O empreendedor italiano só conseguiu criar sua doceria em 1952, quando chegou ao fim uma lei que obrigava estrangeiros a terem sócios brasileiros. Nascia a Bauducco, a grande responsável por incorporar o panetone na cultura brasileira.
Hoje, a empresa possui cinco fábricas, que desenvolvem 150 produtos diferentes e exporta para mais de 50 países.
Há cinco anos, a marca criou uma rede de mercearia e cafeteria, a Casa Bauducco.
No entanto, quando uma indústria passa a atuar no varejo é como se um goleiro de futebol fosse atuar no ataque do time – ou pior, se aventurasse em ringues do boxe.
E porque a Bauducco deu essa guinada?
Quem responde a questão é Carlo Andrea Bauducco, diretor de novos negócios da marca e neto do fundador, que participou do Latam Retail Show, evento de varejo que acontece até quinta-feira (30/08), no Expo Center Norte, na capital paulista.
De acordo com Carlo, em 2012, o setor da indústria alimentícia estava em franco crescimento, o que permitia criação de novos negócios adjacentes. Na mesma época, marcas como Kopenhagen e Cacau Show também começaram a abrir lojas para consumo de produtos no local.
Além de diversificar as fontes de receitas, a Bauducco queria oferecer outras formas de valor – e encantar o público indo além das peças publicitárias com alta dose de emoção.
Neste momento, surgiu o maior desafio: evitar uma sobreposição de marca. A intenção não era ter lojas que vendessem os mesmo produtos que já eram encontrados em mercados ou empórios.
Era necessário criar uma marca nova, com outros produtos e que oferecesse uma experiência diferente ao consumidor, mas com os mesmos valores da marca de origem de 65 anos.
A ideia, então, foi criar um ambiente com produtos artesanais e de alta qualidade, inclusive para ter relevância no novo segmento de atuação. A inspiração veio de marcas como Nike, Havaianas e Apple, indústrias que tiveram sucesso ao vender diretamente para o consumidor final.
Se o carro chefe da Bauducco é o panetone, que representa 25% do faturamento total da companhia, a nova marca não poderia deixá-lo de lado.
Então, a Casa Bauducco criou o panetone em fatia: um pedaço do mesmo pão, mas grelhado e com cobertura de açúcar e canela, servido quente para consumo na hora.
O panetone em fatia, responsável por 15% das receitas da nova marca, fez com a Casa Bauducco ficasse mais conhecida como uma cafeteria do que uma loja de pães e doces.
Hoje, a marca possui 30 unidades, em shoppings como Ibirapuera, Morumbi e Vila Olímpia.
COMO EVITAR QUE SEU CLIENTE VIRE SEU CONCORRENTE
No Brasil, a marca coreana Samsung possui mais de 3 mil funcionários, espalhados em três fábricas. A empresa é líder no mercado brasileiro de venda de smartphone – em setembro de 2016, a marca detinha 37,2% de participação, de acordo com a consultoria Gartner.
No entanto, a Samsung queria apresentar todas as suas mais recentes inovações tecnológicas num único ambiente, onde o consumidor também poderia experimentar as novidades, sem ter que ficar sem graça por estar dando "apenas uma olhadinha."
Outra a vantagem para a indústria é ter acesso aos hábitos de compra no ponto de venda – o que é valioso devido os dados poderem ser usados para aprimoramento e criação de produtos.
Em 2012, a empresa inaugurou a Samsung Experience, conceito de loja com objetivo de ser o de encontro da marca com os consumidores, onde acontecem atividades interativas e funcionários prestam consultoria sobre produtos e realizam assistência técnica.
Em cinco anos, a empresa já abriu mais de 190 unidades do modelo de loja Brasil afora.
OLIVEIRA, DA SAMSUNG: LOJAS EXCLUSIVAS
Para galgar tamanha capilaridade em pouco tempo, a Samsung abandonou a ideia inicial de ser dona de suas próprias lojas e recorreu a um sistema em que converteu estabelecimentos especializados em comercializar eletrônicos, com atuação local, em vendedores exclusivos, sob a bandeira Samsung.
Para tanto, a empresa teve que convencer os lojistas a aderir a um sistema de parceria rigoroso, que inclui mudanças de vitrines semanais, que são monitoradas por câmeras; alteração do espaço físico da loja, com direito a autoatendimento e contador de fluxo de pessoas; e integração completa com os sistemas de gestão da Samsung.
A integração, por exemplo, possibilita que a Samsung saiba com oito semanas de antecedência quando o estoque da loja vai acabar.
Em troca, o lojista parceiro tem direito a crédito junto a fabricante e, devido à maior oferta de serviços e atendimento personalizado, vender produtos com maior margem de lucro.
Mas nem todos os lojistas convidados aceitaram a oferta.
“Fiz a proposta pessoalmente a diferentes varejistas da Região Norte e 90% negaram”, afirma Demetrius Oliveira, diretor da divisão da Samsung Stores. “Muitos falaram que preferiam continuar vender aparelhos de entrada de vários fabricantes em 12 vezes sem juros.”
E o que fazer para ter uma rede de loja e não bater de frente com os varejistas clientes?
De acordo com Oliveira, a ideia central foi esclarecer os diferenciais do modelo de negócio da Samsung Store, que, inclusive, poderia beneficiar clientes de longa data.
De acordo com um levantamento conduzido pela própria empresa, em shoppings em que há lojas Samsung, os demais varejistas vendem 20% mais aparelhos da marca.
“O próprio funcionário da loja vizinha indica a Samsung Store como ponto de suporte técnico para convencer o cliente a comprar com ele”, afirma Oliveira. “É uma relação ganha-ganha”.
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