Empresa ameaça ‘batalha judicial’ caso chegue ao fim parceria na produção de hemoderivado

Ministério da Saúde abriu licitação para comprar medicamentos derivados do sangue, provocando indignação do presidente da Shire, empresa parceira da estatal Hemobrás na produção desse tipo de produto

Lígia Formenti, O Estado de S.Paulo

25 Setembro 2017 | 21h30

BRASÍLIA – Uma licitação preparada pelo Ministério da Saúde promete reacender a discussão em torno da produção brasileira de hemoderivados – os medicamentos produzidos a partir do fracionamento do plasma do sangue humano. Em audiência realizada nesta segunda-feira, 25, a pasta anunciou a intenção de comprar o equivalente à demanda semestral de um produto essencial para hemofílicos, o Fator VIII recombinante. A proposta provocou a indignação da empresa Shire, que desde 2012 mantém com a Hemobras uma Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) para a produção do hemoderivado.

O acordo com Hemobras e Shire havia sido suspenso pelo ministério em julho, sob a justificativa de que o andamento estaria em desacordo com as diretrizes estabelecidas no contrato. Meses depois, diante da pressão feita por parlamentares de Pernambuco, onde a Hemobras está instalada, e de uma recomendação do Tribunal de Contas da União, o Ministério da Saúde retomou a parceria, sem contudo fazer encomenda de uma nova compra do produto para o próximo ano. Os estoques vão até fevereiro.

Em entrevista ao Estado, o presidente da Shire no Brasil, Ricardo Ogawa, disse temer que a licitação seja feita para dispensar ou reduzir o fornecimento do Fator VIII pela empresa. "Isso viola o acordo. Há um compromisso de se comprar uma quantidade mínima de Fator VIII para a parceria ser mantida", observou. Ele não descarta ingressar com ações na Justiça. "Se a PDP morrer pode haver uma grande batalha judicial, que vai trazer um grande desgaste para todos. E pacientes serão os principais prejudicados."

Em nota, o Ministério da Saúde afirma que a licitação é apenas uma precaução, que a parceria continua a valer, embora haja ainda a necessidade de fazer adequações nas etapas de transferência de tecnologia que até agora não foram cumpridas.

A tensão tem ainda outro complicador. O laboratório público Tecpar do Paraná, reduto eleitoral do ministro Ricardo Barros, firmou um acordo de transferência de tecnologia com a empresa Octapharma, para a produção do mesmo Fator VIII recombinante. "Se isso for adiante, certamente vai esvaziar a produção da Hemobras. A estatal só sobrevive se puder vender toda a produção para o governo", observou.

De acordo com a PDP, a Shire deve transferir todo o conhecimento de produção do Fator VIII para a Hemobrás. Enquanto a estatal brasileira não domina a técnica para fabricação, a Shire fica encarregada de abastecer toda a demanda do mercado. A previsão era a de que a Hemobrás começasse a produção num prazo de 5 anos. O cronograma, no entanto, nunca foi cumprido. Agora, o prazo é 2022.

Além do atraso, provocado por erros no projeto, denúncias de superfaturamento e irregularidade nas obras, o acordo rendeu uma dívida da Hemobrás para Shire. Sob a ameaça de perder a PDP, a Shire fez alterações no contrato. Ela perdoou os juros da dívida da Hemobrás, no valor de US$ 43 milhões prometeu investir US$ 250 milhões na fábrica e parcelar a dívida em oito anos.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou que, caso haja parecer positivo sobre a PDP, a compra de segurança poderá ser interrompida a qualquer momento. "A PDP de transferência de tecnologia para produção do Fator VIII Recombinante pela Hemobrás encontra-se em avaliação no âmbito da SCTIE/MS, quanto ao seu desenvolvimento e às condições técnicas para o cumprimento das exigências normativas necessárias para sua continuidade", informa a nota.

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