Mercadinhos lutam para resistir ao cerco das grandes redes
No trecho entre a as avenidas Santo Amaro e Rubem Berta há cerca de oito lojas da rede espanhola Dia. Vanderlei Spinasceo (foto), dono do mercadinho Congonhas, diz que está difícil manter o negócio
Por Fátima Fernandes 25 de Setembro de 2017 às 08:00
| Editora ffernandes@dcomercio.com.br
“O que adianta dizer que a gente acha péssimo o avanço das redes estrangeiras de supermercados no bairro? Eles vão deixar de entrar aqui? Seria o mesmo que a Somália declarar guerra contra os Estados Unidos.”
O desabafo é de Paulo, 67 anos, dono da Adega La Pipa, localizada na Rua Canário, que há pouco mais de três décadas abastece as residências em Moema, zona Sul de São Paulo.
LA PIPA: ENTREGANDO O PONTO
Apesar da crise, a La Pipa, especializada no comércio de bebidas, produtos de limpeza e de mercearia, ia razoavelmente bem até o final do ano passado.
A chegada de uma loja do Dia, rede de origem espanhola, na Rua Tuim e de uma do Carrefour Express na Avenida Jacutinga, deu um tombo nas vendas da La Pipa, que chegou a ter dez empregados e agora tem somente um.
“A venda normal da loja era de cerca de R$ 5 mil por dia. Hoje, tem dia que vendo R$ 700, R$ 800. Dá até desgosto falar disso. Vou fechar a loja, estou passando o ponto”, afirma ele.
Veja no mapa abaixo as lojas da rede Dia em Moema
No supermercado Moema, na Avenida Moema, a situação é idêntica. Com quase 30 anos no bairro, o mercadinho concorre, em um raio que não chega a um quilômetro, com Dia, Carrefour Express, Mini Mercado Extra e Emporium São Paulo.
“As vendas caíram, e não adianta competir com preço, porque eles compram grandes volumes. Estamos focando no atendimento ao cliente, chamamos pelo nome, fazemos entregas em casa”, diz Eduardo Volpe, funcionário da loja.
O Moema tem 11 funcionários. “Aqui não existe intenção de passar o ponto, mas conforme a concorrência vai aumentando, as vendas sofrem”, afirma.
A disputa das redes supermercados por clientes em Moema “virou uma selva”, de acordo com Álvaro Furtado, presidente do Sincovaga, sindicato que reúne o pequeno comércio de alimentos e bebidas no Estado de São Paulo.
Durante muito tempo, como afirma, Moema era reduto da rede Pão de Açúcar, que pertence ao grupo francês Casino, por conta dos altos custos dos imóveis na região.
“Com a crise e a queda de preços dos alugueis, as redes Carrefour e Dia começaram a entrar no bairro com lojas menores. Os mercadinhos estão vivendo momentos difíceis.”
“Em regiões de grande concentração de consumo, como em Moema, sempre haverá redes de lojas atrás de pontos", diz Tadeu Masano, presidente da consultoria Geografia de Mercado e professor EASP/FGV. "A expansão de supermercados menores de grandes redes é um fenômeno em todo o país.”
Há seis anos, Wilson Ikeda, decidiu levar a bomboniére que tinha na Lapa, na zona Oeste de São Paulo, para Moema, na tentativa de escapar de grandes de redes.
IKEDA: VENDAS CAÍRAM 40%
Para seu desgosto, há aproximadamente dois anos, quase encostado com a sua loja, que fica na Avenida Maracatins, foi inaugurada uma loja do Dia.
“As vendas caíram cerca de 40%. Estamos tentando sobreviver”, diz Ikeda, dono da Iroiro Doce & Cia, que possui duas lojas no bairro. A outra fica na Rua Macuco.
“Vou fechar para fazer o quê? A família depende disso. Não pretendemos reformar, isso não adianta. Não é por causa de uma reforma que vamos atrair mais gente.”
Há pouco mais de dois meses, a loja do Dia ao lado da bomboniére de Ikeda é tocada por Robson da Cruz Santos, um ex-funcionário do Dia que virou um franqueado.
“A tendência é de os mercadinhos desaparecerem, mesmo porque a rede Dia bate muito forte em preço, especialmente na linha de produtos básicos”, diz ele.
AMEAÇA DE CANIBALIZAÇÃO
A disputa por cliente, na verdade, é grande até entre as lojas da própria rede.
A loja do Robson, na Avenida Maracatins, 1.232, fica bem próxima de outras duas lojas do Dia: uma na Alameda Nhambiquaras, a duas quadras, e outra na própria Avenida Maracatins, a cerca de 800 metros.
A proximidade das lojas, segundo afimra, pode ter algum impacto no faturamento de ambas, mas não tanto quanto pode parecer.
“Cheguei a trabalhar no Dia da Nhambiquaras. Essa loja, em 2011, faturava R$ 1,2 milhão por mês. Hoje, vende quase a mesma coisa. Aqui, as vendas atingem quase quase R$ 1 milhão.”
A rede Dia tem a política de ter loja cada vez mais próxima do cliente, diz ele, com foco em produto básico e bom preço. “Quem quer luxo vai no Minuto Pão de Açúcar, no Carrefour Express.”
Das 1.050 lojas do Dia espalhadas pelos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e Rio Grande do Sul, cerca de 60% são franquias, de acordo com Robson.
A ideia da empresa é crescer com franquias, diz o franqueado, porque dá mais lucro para a empresa.
Por esse modelo, os funcionários da loja são contratados pelo franqueado, que tem de prazo de quatro dias para pagar pelas mercadorias entregues pela empresa.
ROBSON: FRANQUEADO DA REDE DIA
Para o uso da marca Dia, o franqueado paga R$ 15 mil mensais, além de aluguel de equipamentos e sistema do caixa. Robson tem um salário fixo e ganhos sobre o resultado da loja (um percentual mensal e um anual).
“Para quem veio da base da loja é interessante ser franqueado, pois há chance de ganhar um pouco mais, de melhorar de vida. Agora, tem de trabalhar.”
Desde que assumiu a loja, Robson não teve um dia de folga, com expediente das 7h às 22h. “Cuido de toda a operação da loja, fluxo de caixa, atendimento, abastecimento, recebimento de mercadoria.”
Uma empresa argentina que é parceira da rede, afirma, administra pagamento de funcionários, vale transporte, benefícios, demissões, processos trabalhistas.
Há alguns anos, Vandereli Spinasceo, dono do Mini Center Congonhas, que está há 12 anos na Rua Iraí, foi procurado pela rede Dia para ser um franqueado. Ele não aceitou.
“Na época, o franqueado tinha de assumir até os furtos, contratar funcionário para olhar a loja. Tem gente que trabalhou com loja do Dia e caiu fora por causa disso.”
Nelson Barrizzelli, consultor de varejo, diz que as redes devem fazer uma análise da densidade populacional, rendimento médio, concorrência antes de escolher um ponto.
“Pode ser que uma loja muito perto de outra não dê retorno e acabe fechando. Com toda a experiência que tem, a rede Dia não deve estar cometendo um erro desses.”
As lojas do modelo de vizinhança de grandes redes, como os mercadinhos, diz ele, estão se multiplicando e nas mesmas regiões.
Em uma grande avenida de Paris cheguei a visitar lojas e vi que num trecho de 1.500 metros tinha três lojas do grupo Casino, com bandeiras e propostas diferentes.
“Os mercadinhos deveriam ter reagido há 20 anos, quando as grandes redes começaram a se expandir", diz.
Ele cita dois exemplos de estabelecimentos que reagiram à ofensiva: o supermercado Violeta e o Portal, que tornaram as lojas mais bonitas e focaram em vendas de hortifrúti. "Quem não se organizou, vai sofrer muito”, diz Barrizzelli.
Para o consultor Marcos Hirai, não um supermercado próximo do outro não necessariamente pode prejudicar ambos.
“Se uma loja está perto de um hospital, universidade, por exemplo, pode não ter problema, já que o fluxo de pessoas é grande. Moro no portal do Morumbi e perto de casa tem seis lojas do Minuto Pão de Açúcar. Uso todos eles em momentos diferentes", diz.
Para Masano, se há potencial de consumo para que lojas bem próximas mantenham um mínimo de venda, o negócio pode dar certo para ambas.
“Muitas vezes, uma avenida acaba funcionando como uma barreira entre uma loja que está de um lado e outra que está do outro lado,” diz Mansano.
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A sugestão de Hirai para os mercadinhos que estão enfrentando essa concorrência é a seguinte: virar franquia de uma rede conhecida, mudar de lugar, caso esteja perto de uma grande rede, ou buscar um diferencial.
“Uma padaria mais diferenciada, uma rotisseria, pode ser algo que atrai o consumidor para dentro da loja que quer um produto menos padronizado, massificado. Uma área para vender flores pode agregar produtos e serviços que a concorrência não tem.”
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