Droga para doença de Parkinson apresenta efeitos contra o câncer, diz novo estudo
A carbidopa, um dos componentes do medicamento usado por pacientes da enfermidade degenerativa, é capaz de deter o crescimento de vários tipos de tumor; descoberta pode explicar baixa incidência de câncer entre pessoas com Parkinson
Fábio de Castro, O Estado de S.Paulo
29 Setembro 2017 | 12h37
Um novo estudo mostra que a carbidopa, uma droga normalmente usada no tratamento da doença de Parkinson, apresenta consideráveis efeitos anticâncer. De acordo com os autores da pesquisa, a descoberta pode ajudar a explicar por que se verifica, entre os pacientes de Parkinson, uma baixa incidência de vários tipos de câncer.
O estudo, publicado nesta sexta-feira, 29, na revista científica Biochemical Journal, foi liderada por cientistas do Centro de Ciências da Saúde da Universidade de Tecnologia do Texas (Estados Unidos).
De acordo com a autora principal do estudo, Yangzom Bhutia, a descoberta pode abrir caminho para que a carbidopa seja proposta também como um medicamento contra o câncer. Com a droga já no mercado, seria possível queimar etapas dos testes clínicos, passando diretamente à fase da análise de eficácia.
"A carbidopa já é uma droga aprovada pela FDA para o tratamento da doença de Parkinson. Assim, os testes clínicos poderiam ser conduzidos imediatamente para avaliar sua eficácia em humanos como uma droga anticâncer", disse Yangzom.
Um dos tratamentos para a doença de Parkinson, que não tem cura, consiste na combinação da carbidopa com outra droga chamada levodopa, que age no cérebro para amenizar os sintomas. A carbidopa não atua no cérebro, mas ajuda a levodopa a chegar no sistema nervoso central em maior proporção.
De acordo com Yangzom, vários estudos já apontavam que os pacientes da doença de Parkinson têm uma taxa mais baixa de incidência de diversos tipos de câncer, em comparação à população em geral. Como muitos dos pacientes são tratados com a combinação de levodopa e carbidopa, os cientistas imaginaram que talvez uma dessas drogas pudesse ter propriedades anticâncer.
Alguns cientistas então estudaram a levodopa – que é o componente principal do tratamento para Parkinson – para avaliar se a droga poderia ter propriedades anticâncer, mas nada foi encontrado. As propriedades anticâncer da carbidopa, porém, não haviam sido estudadas até agora.
"É interessante que ninguém tenha suspeitado antes do potencial papel da carbidopa nesse fenômeno. A carbidopa nunca é utilizada por si só como uma droga para tratar nenhuma doença. Mas nossos dados mostram que a própria carbidopa tem efeitos anticâncer. Acreditamos que a incidência reduzida de vários tipos de câncer em pacientes da doença de Parkinson se deve à carbidopa", disse Yangzom.
São vários os tipos de câncer que têm incidência mais baixa entre pacientes de Parkinson, mas há exceções, como o melanoma – esse tipo de câncer de pele é até mais frequente entre as pessoas que sofrem da doença neurológica.
"Nós postulamos que a incidência aumentada de melanoma entre pacientes de Parkinson está provavelmente ligada à levodopa e não à carbidopa. A levodopa é o precursor para a síntese de melanina, um processo que ocorre exclusivamente nas células da pele que produzem melanina", afirmou a pesquisadora.
Câncer de pâncreas. No novo estudo, os cientistas da universidade americana, em colaboração com equipes do Japão e da Índia, testaram os efeitos da carbidopa em células de câncer do pâncreas humano e também em camundongos. Eles descobriram que a carbidopa inibe consideravelmente o crescimento dos tumores, tanto na cultura de células como nos animais.
Os autores acreditam que a carbidopa provavelmente possui uma gama maior de efeitos anticâncer, mas eles optaram por focar no câncer de pâncreas por causa da baixa taxa de sobrevivência e das alternativas limitadas de tratamento para esse tipo de tumor.
"O câncer de pâncreas é o mais letal de todos os tumores, com uma sinistra taxa de sobrevivência. A carbidopa como um agente anticâncer para o tratamento do tumor pancreático seria algo realmente incrível. Como se trata de uma droga já aprovada pela FDA, propor seu uso para o tratamento de câncer seria uma tremenda economia de dinheiro e de tempo", afirmou Yangzom.
A dose recomendada de carbidopa para pacientes de Parkinson é de 200 miligramas por dia, mas doses de até 450 miligramas por dia não causam efeitos colaterais. Embora o estudo não tenha sido feito em humanos, a dose de carbidopa dada aos camundongos – e que foi capaz de deter o crescimento do tumor – foi equivalente a uma dose de menos de 400 miligramas por dia em humanos.
Segundo Yangzom, o estudo mostrou que a carbidopa ativa o receptor AhR, uma proteína que tem um papel importante no câncer e que tem sido considerada como um tratamento promissor para tumores da mama, do cólon e do pâncreas. A pesquisadora afirma que isso pode explicar, pelo menos em parte, as propriedades anticâncer da droga.
O que é a carbidopa. Enfermidade neurológica degenerativa, a doença de Parkinson não tem cura e os tratamentos têm a função de amenizar os sintomas. A doença influencia as capacidades motoras, levando o corpo a tremer e a se enrijecer, dificultando a mobilidade. A causa desses sintomas é que o cérebro produz uma quantidade menor que a normal de dopamina, um importante neurotransmissor que leva sinais do cérebro para o corpo.
Mas a própria dopamina não pode ser utilizada como droga, porque ela não é capaz de cruzar a barreira sangue-cérebro, que protege o sistema nervoso central de substâncias tóxicas presentes no sangue. Por isso a estratégia é utilizar como tratamento um dos compostos químicos que formam a dopamina – a droga chamada levodopa – que cruza a barreira até o cérebro e, uma vez lá dentro, converte-se em dopamina, aliviando os sintomas.
O problema é que no máximo 10% da levodopa ingerida chega ao cérebro e o restante se transforma em dopamina em outras partes do corpo – o que resulta em efeitos colaterais como fortes náuseas.
É aí que entra a carbidopa: embora não chegue ao cérebro, essa droga inibe a ação de uma enzima que participa da metabolização da levodopa. Com isso, a levodopa segue para o cérebro sem se transformar em dopamina no meio do caminho – o que alivia os efeitos colaterais.
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