Prefeitura faz corte na Saúde e pacientes já relatam falta de atendimento e remédios


Na UPA de Madureira, quem chega para ser atendido passa por uma triagem e, se não for caso de risco de morte, recebe a orientação para procurar outra unidade de saúde. Foi o que aconteceu com Luana Rodrigues, de 37 anos, na manhã de ontem. Desde o fim de agosto, faltam ali medicamentos, materiais hospitalares e até alimentos, afirmam funcionários. E a solução, para eles que também estão com salários atrasados, foi o contingenciamento.

— Estou com dores no peito e no pulmão, febre, garganta infeccionada. Mas disseram que não estão atendendo. Vou agora para um médico particular, mesmo sem plano — lamentou a secretária Luana.

A situação precária da unidade não é caso isolado na rede municipal de Saúde. A prefeitura contingenciou R$ 395 milhões do orçamento da Saúde para este ano. Quem paga por essa conta é a população. No Hospital Salgado Filho, no Méier, a superlotação do setor de internação tem obrigado pacientes a dormirem em macas nos corredores. Já no Hospital Rocha Faria, em Campo Grande, profissionais contratados estão há dois meses sem receber salários. Na UPA de Engenho de Dentro, faltam medicamentos básicos para distribuição.

A assistente de tecnologia da informação Janaína de Menezes, de 39 anos, saiu da unidade com uma receita para tentar pegar em outro local a dipirona sódica 500 mg e o ibuprofeno 300 mg que estavam no receituário.

— A médica disse que eu poderia pegar aqui, mas não tem. Vou ter que correr atrás disso sozinha — lamentou.

E o que está ruim pode ficar ainda pior. Para 2018, o prefeito Marcelo Crivella enviou à Câmara de Vereadores uma proposta de orçamento que prevê um corte de 8,7% para a Saúde, em relação ao que foi aprovado para este ano.

Na proposta de orçamento elaborada pela Secretaria municipal de Fazenda, serão destinados R$ 4,978 bilhões para a Saúde em 2018, enquanto, em 2017, o orçamento aprovado foi de R$ 5,455 bilhões, ou seja, R$ 477 milhões a menos, ignorando a inflação no setor, uma das mais altas no país, e reajustes de salários. Abrindo os números por categorias econômicas, os investimentos serão reduzidos em R$ 20,2 milhões.

Para os quatro principais hospitais da rede — Souza Aguiar, Miguel Couto, Salgado Filho e Lourenço Jorge — o corte será de R$ 93,5 milhões. O Souza Aguiar terá seu orçamento reduzido de R$ 257 milhões para R$ 209 milhões, em 2018. No Salgado Filho, serão R$ 9,9 milhões a menos. Unidades municipalizadas e administradas por organizações sociais também estão nessa situação. No Albert Schweitzer, que fechou 20 leitos de UTI e um andar inteiro de CTI no início de setembro, o orçamento cai de R$ 164 milhões, este ano, para R$ 108 milhões, em 2018. No Rocha Faria, o corte será de 20%, e a unidade terá seu custeio reduzido em R$ 22,9 milhões. Por outro lado, a verba para o gabinete do secretário vai aumentar em 5%, passando de R$ 1,331 bilhão, em 2017, para R$ 1,396 bilhão, em 2018.

— O serviço de saúde, que já é deficiente, vai acabar no CTI. A prioridade não pode ser verba para gabinete, mas o atendimento ao cidadão – criticou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, vereadora Teresa Bergher.

Gasto de 2017 está abaixo do que foi investido em Saúde em 2016

Com base no portal Rio Transparente, o vereador Paulo Pinheiro, membro da Comissão de Saúde da Câmara, constatou que, até o dia 9 de outubro, a Secretaria municipal de Saúde havia empenhado R$ 4,296 bilhões. Desse total, já foram pagos R$ 3,262 bilhões.

— Os hospitais da administração direta não podem, desde o dia 10, empenhar mais nada para compras e renovação de contratos. Por força de um decreto do prefeito, o que não foi empenhado e pago até essa data, só poderá ser feito em março, salvo se ele publicar um decreto de excepcionalidade. Sem pagar fornecedores, os hospitais estão ficando desabastecidos e já temos cirurgias eletivas (que não são de emergência) sendo canceladas, leitos fechados. Nas unidades administradas por OSs, que estão recebendo repasses com atrasos, já vemos crise de abastecimento e profissionais com salários atrasados. Os hospitais estão funcionando à base de escambo, pegando emprestado material e remédios, principalmente com a rede federal, para manter o mínimo de atendimento — relata Pinheiro.

A situação tende a agravar caso a proposta de lei orçamentária para 2018 for aprovada da forma que foi enviada pelo prefeito à Câmara municipal.

— Se chegarmos aos R$ 4,296 bilhões já empenhados este ano, vamos gastar com saúde em 2017 menos do que em 2016, quando fechamos em R$ 4,925 bilhões. O prefeito Crivella, que afirmou em campanha aumentar o orçamento da Saúde em R$ 250 milhões a cada ano, já descumpre sua promessa no primeiro ano de mandato — afirma Pinheiro, que esteve reunido com o secretário municipal de Saúde, Marco Antonio de Mattos, na última quarta-feira. — O secretário nos afirmou que não consegue fechar o ano se o prefeito não abrir o caixa.

Mattos é aguardado pelos vereadores, no próximo dia 26, para uma audiência na Comissão de Finanças da Câmara.

— Queremos saber como ele vai administrar esse corte no orçamento. Qual será a mágica? Os materiais e medicamentos não vão aumentar de preço? Vamos pedir ao prefeito que reveja esse orçamento ou vamos judicializar essa questão. Faremos uma representação ao Ministério Público e à Defensoria Pública para que tomem as medidas cabíveis — afirma Pinheiro. — O resultado desse corte de verbas já estamos vendo aí e só vai piorar, com leitos fechados, falta de material cirúrgico, contratos de limpeza, segurança e alimentação cumpridos parcialmente, representando um sério risco para pacientes e usuários do sistema.

Secretaria de Saúde nega queixas

Procurada, a Secretaria municipal de Saúde negou a informação sobre a falta de medicamentos e alimentação na UPA Madureira e afirmou que o Salgado Filho e a UPA funcionam em regime de classificação de risco, no qual os casos mais graves têm prioridade. A secretaria ainda respondeu que trabalha segundo o cronograma de pagamentos estabelecido pela Secretaria municipal de Fazenda, para que eventuais atrasos sejam sanados. E acrescentou que a paciente Janaína Menezes recebeu os cuidados para seu quadro e foi orientada a buscar medicações na unidade de referência de Atenção Básica (clínicas da família e centros municipais de saúde). Sobre a proposta de orçamento elaborada pela prefeitura, alegou que só vai se manifestar após a aprovação dos valores pela Câmara de Vereadores.

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