Quem são os pacientes que dependem do “mercado de sangue”, alvo de batalha política

Mais de 1,5 mil paranaenses que possuem algum tipo de “coagulopatia hereditária” podem ser afetados

BRASÍLIA Catarina Scortecci Correspondente [29/10/2017]

O impasse que se formou em torno do “mercado de sangue” atinge diretamente mais de 1,5 mil paranaenses que possuem algum tipo de “coagulopatia hereditária”, e dependem de forma permanente dos remédios ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Os remédios são obtidos pelo Ministério da Saúde principalmente a partir de contratos com Hemobrás, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia constituída em Pernambuco, no ano de 2004, que está no centro de uma novela que se arrasta desde julho deste ano. Na ocasião, o Ministério da Saúde resolveu suspender a Parceria de Desenvolvimento Produtivo (PDP) que a Hemobrás mantém desde 2012 com a Shire Farmacêutica Brasil para a produção e transferência de tecnologia referente ao “fator VIII recombinante”, um medicamento essencial para pacientes com “hemofilia A”.

O chamado “Fator VIII” é um medicamento que pode ser produzido através do plasma (e a matéria-prima é o próprio sangue humano) ou através de uma engenharia genética, quando se utiliza o “sangue sintético”, transformado justamente no “Fator VIII recombinante”.

No Paraná, os medicamentos são entregues quase que quinzenalmente pelo SUS ao Centro de Hematologia e Hemoterapia, o Hemepar, que possui 22 unidades espalhadas em todo o estado, com maior ou menor estrutura clínica, dependendo do número de pacientes que vivem na região. “Nós temos um cadastro de pacientes e é desta forma que planejamos anualmente a quantidade de remédios que pedimos ao SUS”, explica Paulo Hatschbach, diretor do Hemepar.

São três as coagulopatias hereditárias mais comuns: a hemofilia A, a hemofilia B e a doença de von Willebrand. No caso do Paraná, o cadastro de pacientes do Hemepar hoje registra 668 pacientes com hemofilia A, 141 com hemofilia B e 620 com doença de von Willebrand. Em todo o país, de acordo com dados fornecidos à Gazeta do Povo pela Federação Brasileira de Hemofilia (FBH), são cerca de 10 mil pacientes com hemofilia A, aproximadamente 2 mil com hemofilia B e mais de 7 mil com doença de von Willebrand.
Custos elevados

Os medicamentos utilizados no tratamento das coagulopatias hereditárias têm custo elevado e trata-se de um mercado hoje dominado por laboratórios estrangeiros. Tanto que a Hemobrás, desde sua constituição, tem estabelecido as chamadas Parcerias de Desenvolvimento Produtivo (PDPs) com grupos privados estrangeiros para aos poucos receber a tecnologia e, até a conclusão da transferência, garantir o fornecimento de medicamentos ao SUS. É justamente uma dessas PDPs que está hoje no centro da polêmica envolvendo o ministro da Saúde, Ricardo Barros.

Na avaliação do ministro, após cinco anos de PDP, não houve evolução satisfatória na transferência de tecnologia, daí a suspensão. A Shire já fez uma proposta de readequação da PDP, considerada vantajosa pela Hemobrás, mas a pasta da Saúde alega que ainda examina o caso. Enquanto isso, duas liminares da Justiça Federal (uma do Distrito Federal e outra de Pernambuco), além de um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU), já determinaram que a PDP seja mantida, inclusive por razões de economicidade. Mas a Shire sustenta que o ministro da Saúde tem ignorado as decisões.

O último contrato feito pelo Ministério da Saúde no âmbito da PDP suspensa – e que envolve cerca de R$ 300 milhões – garante o fornecimento do medicamento até fevereiro de 2018. Em setembro, o Ministério da Saúde abriu um processo licitatório para compra do “Fator VIII recombinante”, com a intenção de “cobrir” o primeiro semestre do ano que vem até a conclusão do reexame da PDP. Mas a licitação ainda está em andamento.

“Nós tivemos uma redução no número de medicamentos durante um período ali entre 2015 e 2016, quando houve aquela auditoria na Hemobrás, mas nada que chegasse a atrapalhar no tratamento dos pacientes. Desde então, não houve problema nenhum. Temos recebido os medicamentos normalmente e o Ministério da Saúde está ciente da importância [da entrega regular] para os pacientes. Acho que não há risco de desabastecimento”, disse Paulo Hatschbach, diretor do Hemepar.

Proposta do Tecpar

O ministro da Saúde já recebeu uma proposta do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) para transferir parte da produção de hemoderivados hoje concentrada em Pernambuco para a cidade de Maringá, através de uma parceria com outra gigante farmacêutica, a suíça Octapharma.

A ideia ventilada seria transferir a produção do “Fator VIII recombinante” para o Paraná, deixando a Hemobrás com a produção dos demais hemoderivados, como “Fator VIII (plasmático)”, “Fator IX” (para tratamento de hemofilia B) e “Fator de von Willebrand”.

A Hemobrás tem resistido à mudança. Entre outros motivos porque, dentro do seu portfólio, o medicamento “Fator VIII recombinante” é financeiramente o mais vantajoso para a empresa pública. Assim, tirá-lo do seu leque de produtos poderia levar a Hemobrás à falência, na visão da própria estatal.

De acordo com Paulo Hatschbach, diretor do Hemepar, “a tendência é o uso cada vez maior do recombinante pelos pacientes”. “Ele é mais caro sim, mas, clinicamente, a qualidade dele é maior”, afirma.

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