Escrito por: Sheila Barretto – Camaçari -23 de Novembro de 2017
Nesta quinta-feira (23), o acidente da farmácia Pague Menos de Camaçari completa um ano. A reportagem do Camaçari entrou em contato com o parente de uma das vítimas que pediu para não ser identificado, mas contou um pouco sobre a sensação de impunidade que sente até hoje.
A pessoa conta que os indícios de que algo estava errado começaram bem antes, com um problema no telhado, que causou um grande vazamento no local devido à chuva, e também um defeito no aparelho de ar condicionado, que levou os operários a fazer os reparos naquele dia, mesmo com a loja em pleno funcionamento. “Houve a irresponsabilidade, houve a impunidade. A partir do momento que alguém falou que havia um risco, eles assumiram o risco. Se tinha a possibilidade de fechar a loja e eles não fecharam, alguém tem que ser culpado. Se houve a negligência, eles têm que pagar por isso. Foram 10 pessoas que morreram, foram 10 vidas, existem 10 famílias destruídas hoje e a quantidade poderia ter sido bem maior. Será que se o número fosse maior, a impunidade seria a mesma?”, questiona.
O familiar acredita que a gerente da loja foi indiciada injustamente, pois, segundo ele, ela é tão vítima quanto os outros funcionários por não ter autonomia para mandar fechar o estabelecimento no momento do reparo. “Isso só quem poderia fazer era o supervisor e o gerente regional, ela aguardava uma autorização”.
Ele ainda criticou a postura das pessoas que estavam na rua no momento do acidente. “Quando você tanta gente parada filmando enquanto poderia tá fazendo uma corrente, jogando um balde de água. Se todo mundo se unisse ali no propósito de salvar vidas, poderia ter sido uma tragédia bem menor. Mas a gente vive um tempo em que todo mundo só olha pro seu próprio umbigo, infelizmente”.
Relembre o caso
Quarta-feira, 23 de novembro de 2016, um dia que ficaria marcado para sempre na memória de Camaçari. Era um dia normal de trabalho na farmácia Pague Menos da Avenida Getúlio Vargas, quando um incêndio deu início à tragédia. Uma explosão, a queda de uma laje, nove pessoas mortas, pelo menos 14 feridas.
Viaturas da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, SAMU, e em questão de minutos dezenas de pessoas lotavam a rua, celulares em punho registrando tudo, a fumaça, as chamas, o resgate. Parentes desesperados também chegavam à procura de uma informação, uma notícia, e aos poucos as lágrimas se juntavam ao suor e à incerteza naquela tarde quente de sol.
A noite caiu e vieram as primeiras confirmações de vítimas fatais, que continuaram durante toda a madrugada até às 5h da manhã, quando o corpo da última vítima foi localizado, Cristiana do Nascimento de Souza, funcionária da farmácia. Nove mulheres mortas, algumas asfixiadas pela fumaça, outras consumidas pelo fogo, outras esmagadas pela queda da laje. Entre elas, uma menina de apenas 9 anos, Celine Pires Souza Carlos, com uma vida inteira pela frente.
Dois dias depois, na sexta-feira, morria a décima vítima no Hospital Geral do Estado (HGE), a décima mulher. Vilma Conceição dos Santos, de 40 anos, que lutou pela vida na UTI de queimados, mas que não conseguiu resistir aos gravíssimos ferimentos.
Após o choque, veio a dor e logo em seguida a indignação. A população não podia entender ou aceitar como aquilo havia acontecido. Negligência dos responsáveis pelo estabelecimento que permitiram uma obra de manutenção durante o expediente? Isso só a perícia poderia responder e a conclusão do inquérito veio seis meses depois.
Acompanhada do perito criminal Eduardo Rodamilans, coordenador de Engenharia Legal do Departamento de Polícia Técnica (DPT), a delegada Thaís Siqueira, titular da 18ª Delegacia Territorial (DT), disse que chegou à conclusão baseada no depoimento de mais de 60 pessoas e nos laudos produzidos pelo DPT. Segundo ela, os envolvidos agiram diretamente para o desfecho dos fatos ao infringir as normas regulamentares relacionadas ao trabalho de manutenção que vinha sendo realizado na loja.
Oito pessoas foram indiciadas: Josué Ubiranilson Alves, diretor da empresa Pague Menos, Augusto Alves Pereira, gerente regional, Maria Rita Santos Sampaio, gerente da farmácia incendiada, Erick Bezerra Chianca, sócio da empresa de manutenção Chianca, Fernando Vieira de Farias e Edilson Soares de Souza, funcionários da empresa de manutenção Chianca, Rafael Fabrício Nascimento de Almeida, sócio da empresa de manutenção AR Empreendimentos, e Luciano Santos Silva, técnico em refrigeração pela AR.
Um ano após a tragédia, nada de concreto aconteceu. O inquérito concluído foi remetido ao Ministério Público de Camaçari que aguarda a decisão da Justiça para marcar as audiências, segundo a assessoria de comunicação. Para as famílias das vítimas e os sobreviventes resta somente a dor e a esperança de que a justiça seja feita.