Consumo. A alta de 8,7% no primeiro semestre, embora positiva, foi menor que nos últimos anos e um dos motivos foi a queda dos não medicamentos; daqui para frente o cenário será parecido
São Paulo – Após crescerem a dois dígitos nos últimos anos, as grandes redes de farmácias sentem pela primeira vez o impacto da crise. O volume de vendas dos não medicamentos recuou no primeiro semestre, puxando para baixo a receita do setor. As empresas enfrentaram ainda um reajuste menor dos preços, que impactou no resultado nominal e na margem bruta.
A situação aparece no balanço dos primeiros seis meses da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), antecipado pelo DCI. De acordo com o levantamento, as 27 maiores varejistas do ramo, entre elas Droga Raia, Drogasil, Pague Menos e Drogaria São Paulo, tiveram um crescimento nominal do faturamento de 8,76% de janeiro a junho deste ano, na comparação anual.
O resultado, embora ainda positivo, representa uma desaceleração, se comparado com os números que a entidade vinha mostrando nos anos anteriores. Em 2016 e 2015, por exemplo, o avanço foi de 11% e 12%, respectivamente. "Vemos uma desaceleração nítida, puxada principalmente pelos não medicamentos", diz o presidente da Abrafarma, Sergio Mena Barreto. Para o consolidado do ano o executivo prevê uma continuidade do cenário, com um crescimento próximo de 9%.
Pela primeira vez na última década a categoria (que engloba principalmente os produtos de perfumaria) retraiu em volume de unidades vendidas, com uma queda de 1,69% de janeiro a junho. Em valor, ainda houve crescimento, de 5,3%, mas muito abaixo do desempenho que vinha apresentando. Historicamente, conta Barreto, os produtos sempre cresceram mais do que os medicamentos e a uma taxa de dois dígitos. "Começamos a sentir uma desaceleração mais forte em março deste ano. No início pensámos que seria algo pontual, mas se manteve."
No setor como um todo, a perda do ritmo de crescimento dos itens de perfumaria não é nenhuma novidade, segundo o vice-presidente para a América Latina da consultoria Close-Up International, Paulo de Paiva Junior. Ele conta que a desaceleração começou a ser sentida desde 2015. "Ela vem ocorrendo pouco a pouco há cerca de dois anos. Demorou mais para chegar às grandes redes porque tradicionalmente elas têm um desempenho melhor do que o restante do mercado", explica.
Na Raia Drogasil, maior varejista do setor, a perda de ritmo da categoria é clara. De abril a junho deste ano, a receita dos produtos de perfumaria cresceu 10,8%, muito abaixo do crescimento dos medicamentos e do desempenho visto no mesmo período do ano passado, quando as vendas dos itens cresceram 25,9%. Com o avanço menor, a categoria perdeu participação na receita total da empresa, passando de 25,6%, no segundo trimestre de 2016, para 24,7% no mesmo período deste ano.
O movimento vai em linha com o cenário visto pela Abrafarma. Segundo o presidente da entidade, a participação dos não medicamentos na receita total das 27 maiores drogarias do ramo, que ao final de 2016 era de 32,7%, terminou o primeiro semestre deste ano em 31,7% (veja no gráfico).
Além do impacto nas vendas, a preocupação dos dois especialistas é que a perda de participação da categoria possa prejudicar a lucratividade das redes, já que as margens de perfumaria são maiores do que as de medicamentos. "A queda [dos não medicamentos] pode sim impactar as margens, mas como é um movimento recente só vamos sentir mais para frente, no ano que vem provavelmente", afirma Barreto.
Para compensar esse possível impacto, as varejistas têm buscado formas alternativas de incrementar as margens de lucro. Uma estratégia adotada pela Raia Drogasil, por exemplo, é a chamada 'plataforma de pricing'. O objetivo, segundo o presidente da rede, Marcílio Pousada, é melhorar a precificação dos produtos de perfumaria e dos medicamentos OTC (Over The Counter)."Estamos implementando agora a estratégia, e deve ajudar nas margens no futuro", disse em teleconferência com analistas. A empresa tem feito também um trabalho importante na redução de despesas operacionais, que já surtiu efeito, e que deve continuar contribuindo para os resultados nos próximos trimestres.
'Pré-alta'
Outra questão que impactou no resultado das grandes redes nos últimos meses foi o reajuste menor dos preços dos medicamentos. Enquanto no ano passado o reajuste foi de até 12,5%, este ano ele foi de 4,7%. As grandes drogarias, explica Barreto, costumam comprar um volume muito grande de remédios na chamada 'pré-alta' (ou seja, alguns meses antes da alta dos preços), para vender os produtos depois do aumento já com o novo valor – ganhando com a diferença. Com o aumento significativamente menor os ganhos deste ano também foram inferiores, impactando na margem.
A Raia Drogasil citou o problema em teleconferência com analistas. "Perdemos 1,6 ponto percentual de margem em função do aumento menor do preço. Mas isso é um efeito sazonal.Tivemos um ganho menor, porque a alta de preços foi inferior", disse o vice-presidente de planejamento da companhia, Eugênio de Zagottis. O impacto, segundo Barreto, foi sentido de forma similar pela maioria das redes associadas a entidade.
Com um aumento menor dos preços, a receita nominal do setor também deve ser impactada, diz Paiva, da Close-Up International. "Acaba sendo um freio no avanço do setor em valor".
Além dos dois problemas citados, o presidente da Abrafarma afirma que a migração do consumidor dos medicamentos de referência e genéricos para os similares também tem prejudicado as grandes redes. O movimento tem ocorrido, segundo ele, porque os similares, muitas vezes, possuem preços mais atrativos até do que os genéricos. "O problema é que a Abrafarma não trabalha com quase nenhum remédio similar, mas as farmácias independentes e as associativistas sim."
O vice-presidente da Close-Up também sentiu a migração, mas afirma que esse não o principal problema das redes. "Essa substituição existe, e é um dos fatores que impactam as grandes redes, mas não é o mais importante. O principal é a queda em volume, principalmente dos não medicamentos", diz.
Setor como um todo
Se as grandes redes têm visto um cenário complicado este ano, o setor de farmácias como um todo passa por uma situação ainda mais complexa.
Os dados da Close-Up International apontam para um crescimento, em valor, de 7% nos primeiros seis meses deste ano, frente ao mesmo período do ano passado. A previsão do executivo para o consolidado é que o desempenho se mantenha similar, fechando o ano com uma alta entre 7% e 8%.
Nos últimos dez anos, conta, o crescimento médio do setor, em receita, foi de 17%. "Não acho que o setor deva voltar a esses níveis. Tínhamos uma situação no passado que permitiu isso, que foi uma camada muito grande da população – que não tinha acesso a esse mercado – passando a ter."
Pedro Arbex