Cidades da região reduzem distribuição de remédios contra o vírus HIV

Antirretrovirais, usados para conter a evolução da infecção, estão sendo fracionados
Gustavo T. de Miranda
12/07/2017 – 16:15 – Atualizado em 12/07/2017 – 16:20

As pessoas que vivem com o vírus HIV na Baixada Santista estão apreensivas: ao contrário do recomendado em protocolos, cidades da região estão fracionando a distribuição de antirretrovirais — medicamentos que freiam a evolução da infecção para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a aids, o estágio mais avançado da doença que ataca o sistema imunológico. Até medicamento vencido está sendo liberado para crianças.

A Tribuna apurou que a situação é considerada crítica para seis combinações de antirretrovirais nos estoques da Rede Estadual DST/Aids. São eles: Abacavir solução oral; Lopinavir 200mg + Ritonavir 50mg; Ritonavir solução oral; Tenofovir 300mg + Lamivudina300mg + Efavirenz 600mg; Zidovudina 300mg + Lamivudina150mg e Zidovudina solução oral.

Entre eles, há medicamentos para o tratamento de crianças, para evitar a transmissão do vírus da mãe para o filho no momento do nascimento, além de combinações que são popularmente adotadas pelos infectologistas para adultos. Sob a condição de anonimato, profissionais de saúde que trabalham na engrenagem de abastecimento de medicamentos avaliam que “nesses últimos cinco anos, 2017 tem sido o mais difícil”. Entre as cidades da região, Bertioga, Cubatão, Guarujá, Itanhaém, Praia Grande, São Vicente e Santos admitem o fracionamento. 

A Administração cubatense, por exemplo, explicou que tem sido orientada pela Diretoria Regional de Saúde a dividir a medicação. 

“O Estado, há cerca de três meses, está enviando e-mails de orientações quanto ao fracionamento/otimização de estoque dos medicamentos para que não ocorra a falta para nenhum paciente, já que o quantitativo necessário está comprometido”, informou por nota.

A Prefeitura de Itanhaém cita, também por meio de nota, que "os pacientes acompanhados retiram medicamento para um total de 30 dias, no entanto, há exceções para 15. É importante ressaltar que cada paciente é avaliado individualmente".

Vencido

Para se ter uma ideia do tamanho e da urgência do problema, órgãos de saúde receberam a autorização para manter a dispensação do medicamento Ritonavir Solução Oral, que teve a validade vencida no último dia 4. Neste caso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou, de maneira excepcional, o uso por mais 30 dias do lote vencido deste remédio infantil, com base em estudos de estabilidade da substância.

Mudança

A Tribuna apurou ainda que as farmácias que distribuem os antirretrovirais fornecidos pela rede pública de Saúde adotaram fracionamento da medicação para pacientes com HIV para apenas 15 dias de tratamento.

Até então, o protocolo tinha como referência o Sistema de Controle Logístico de Medicamentos (Siclom), que regulava a dispensação dos antirretrovirais no Brasil. Em tempos normais, os kits liberados aos paciente eram suficientes para até 180 dias de terapia.

Na última terça-feira (11), a aposentada Élia Pereira Bezerra confirmou que vinha recebendo medicamento para apenas 15 dias de tratamento. “Só tenho remédio para hoje (terça, 11)). Amanhã (quarta, 12) de manhã tenho que tomar a medicação e não tenho”, contou. 

Após a publicação desta reportagem na edição impressa de A Tribuna desta quarta-feira (12), a aposentada retornou ao Centro de Referência e Tratamento (CRT), em Santos, e recebeu a dose para 30 dias de tratamento. “Antes, a gente recebia para 60 dias. Mas, pelo menos, 30 é melhor que 15”, fala.

Controvérsia 

O médico Artur Kalichman, coordenador-adjunto do Programa Estadual DST/Aids, admite a falta dos medicamentos e afirma que o ideal é o paciente receber ao menos três meses de medicação. “Eles passaram, de fato, por momentos em que a gente teve que orientar a entrega fracionada. A gente ainda está passando por alguma necessidade”. 

No entanto, por meio de nota, o Ministério da Saúde nega a falta dos medicamentos. Diz que tem garantido remessas regulares, “de forma a manter o abastecimento de, pelo menos, um mês da demanda total solicitada pelo estado” — diferente do fracionamento praticado na região.

Exames racionados

Além dos problemas enfrentados com a dispensação dos antirretrovirais, exames que medem a quantidade de vírus no organismo dos pacientes e a situação da imunidade deles diante do tratamento estão sendo racionados por órgãos públicos.

Os dois exames que têm passado por um controle maior são a medição de carga viral e a contagem do linfócito T e CD4. O primeiro permite determinar a quantidade de HIV presente em um determinado fluido, geralmente no sangue.

No segundo, quando a contagem das células CD4 é baixa, a carga viral é normalmente alta. Esta situação não é boa. Quando a contagem das células CD4 é alta, a carga viral é normalmente baixa.
Esta situação é a esperada. É ele que mede se o resultado do tratamento está sendo efetivo. 

“O antirretroviral funcionando, a carga viral tende a ficar indetectável. O que destrói o CD4 é a carga viral. Se não está tendo replicação viral, não tem HIV fazendo mal ao organismo”, explica o médico Artur Kalichman, coordenador-adjunto do Programa Estadual DST/Aids.

No caso do CD4, houve, em 2015, uma mudança no protocolo para a solicitação deste teste. “Até 2015, a gente tinha orientação de repetir a cada seis meses. Agora, só quando o CD4 descer para 300, ele é liberado para repetir a cada seis meses”, pontua o especialista.

Em resposta a A Tribuna, os municípios citados na reportagem acima afirmam que estão seguindo recomendação do Ministério da Saúde, de 30 de maio deste ano, que impôs a priorização temporária para a realização dos testes de carga viral. O documento foi assinado pela diretora do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, Adele Schwartz Benzaken. 

Neste despacho, a pasta orientou que devem ser priorizadas gestantes infectadas por HIV e crianças até 18 meses. Os outros pacientes deverão aguardar a regularização dos estoques desse medicamento.

Segundo a nota técnica, em junho de 2016, foi iniciado um processo para a aquisição de 1,5 milhões de testes de carga viral. Apenas uma empresa compareceu na fase de lances e o preço ofertado pela empresa foi bem superior à referência do ministério. 

Negativa

Por nota, o Ministério da Saúde também nega a falta de testes de carga viral. “Em junho foi feita a distribuição, para todo o País, de 46,4 mil testes. Esse quantitativo deve manter a rede abastecida até julho”.

A pasta admite que, para garantir a cobertura até o fim do processo de compra, recomendou aos estados e municípios que priorizassem o teste em gestantes e crianças de até 18 meses — “o que não significa desabastecimento da rede”, expressa a nota oficial. “Essa foi uma medida de precaução”, acrescenta o texto.

Enquanto isso, a aposentada Élia Pereira Bezerra, 57 anos, moradora de Santos, segue sem saber se seu tratamento está seguindo os rumos corretos. “Na terça-feira (11) eu tinha um exame de carga viral para fazer. Eles estão coletando apenas os exames normais, como colesterol. Só está previsto para normalizar em agosto”, lamenta.

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