Cientistas da UFMG desenvolvem vacina contra a cocaína

Imunizante seria aliado no tratamento de dependentes químicos

Saúde Do R7* 20/11/2017 – 19h42 (Atualizado em 20/11/2017 – 19h47)

Pesquisadores da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) estão desenvolvendo uma vacina contra a cocaína, que pode ser uma aliada no tratamento de dependentes químicos. Caso os testes sejam bem-sucedidos, o imunizante poderá ser comercializado em três anos. Dados da Fife (Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes), vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), revelam que o Brasil é o segundo maior consumidor de cocaína no mundo.

Segundo os pesquisadores, o objetivo do projeto é obter substâncias com propriedade imunogênica que possam ser usadas no tratamento de dependentes químicos de cocaína. O professor Ângelo de Fátima, do Departamento de Química, explica que propriedade imunogênica é a capacidade que uma substância tem de induzir o sistema imunológico a produzir anticorpos. Esse sistema é a base para a criação de qualquer vacina.

— Uma plataforma proteica é conectada a uma determinada substância na qual se pretende produzir o anticorpo. Depois de introduzida no organismo, a vacina ativa o sistema imunológico do paciente, e ele produz o anticorpo contra o agente que deve ser combatido.

O projeto é desenvolvido por pesquisadores do Departamento de Química, da Escola de Farmácia e da Faculdade de Medicina. A patente da vacina já foi depositada pela CTIT (Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica) da UFMG.

Na fase de testes realizados com roedores, os pesquisadores perceberam que quantidades menores da droga chegaram ao cérebro dos animais vacinados, diz de Fátima.

— A indução de anticorpos provocada pela vacina reteve uma quantidade maior da droga no sangue do roedor, não chegando ao cérebro do animal, que é o alvo biológico da cocaína. Conseguimos diminuir os efeitos da droga no animal, alterando o perfil farmacocinético da substância.

Os testes com os roedores já foram finalizados, e o conselho de ética da UFMG está avaliando o início dos experimentos com macacos, etapa que deve começar nos próximos meses. O grupo vai avaliar a toxicidade e a segurança da vacina, observando possíveis efeitos colaterais da substância. Depois, será iniciado o protocolo de testes em humanos, última etapa para que a vacina possa ser comercializada.

De acordo com o professor Frederico Garcia, da Faculdade de Medicina da UFMG, caso os testes clínicos sejam bem-sucedidos, a vacina estará disponível no mercado em, no máximo, três anos. Ela também pode servir de base para estudos com outras substâncias.

— O modelo dessa pesquisa não vale para o caso do álcool, que é uma substância quimicamente muito simples, mas pode ser aplicado a outras substâncias que causam dependência, como a heroína ou a nicotina.

Impacto social

Garcia destaca a vertente social de uma vacina que possa ser usada para tratar a dependência química, problema que hoje afeta mais de 18 milhões de pessoas no mundo todo.

— Essa pesquisa pode trazer muito impacto para a saúde pública, uma vez que é grande o número de pessoas que sofrem transtorno por uso da substância e que poderiam ser beneficiadas pelo produto. O impacto social também ocorre porque, para cada dependente químico, existem, em média, outras três pessoas que também sofrem as consequências dessa dependência.

Apesar dos potenciais benefícios, Garcia ressalta que uma vacina anticocaína não deve ser vista como solução única para o complexo problema das drogas.

— Em um campo em que ainda não existem medicamentos para tratar as pessoas, ela aparece como recurso que poderá ser associado ao tratamento psicológico e outras medidas.

A vacina poderá ter efeito especialmente positivo para alguns grupos, como as mulheres grávidas que nem sempre conseguem interromper o uso da droga durante a gestação. “Nelas, a vacina funcionaria como um escudo, impedindo que a substância chegasse ao feto”, explica o professor de Fátima.

Vacina nos EUA

De Fátima explica que existe uma vacina anticocaína em desenvolvimento nos Estados Unidos, porém, a substância em teste nos laboratórios da UFMG apresenta uma diferença estrutural importante que facilita a sua produção.

— As vacinas convencionais, como a anticocaína dos Estados Unidos, originam-se de plataforma proteica, que pode ser uma proteína de vírus ou de bactéria. A nossa vacina vale-se de uma plataforma não proteica feita 100% em laboratório.

Segundo o professor, a plataforma não proteica torna a vacina mais estável, fácil de ser manipulada e mais durável.

— Como não usamos plataforma proteica, nossa vacina pode ser manuseada à temperatura ambiente e não precisa de refrigeração para a sua estocagem. Isso tudo torna a vacina mais barata e fácil de ser produzida.

* texto de Dinalva Fernandes, do R7

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