Com um roubo de caminhão por hora, preço do frete para o Rio sobe até 35%
Ocorrências de roubo de carga no Rio de Janeiro aumentaram 25% no primeiro semestre, afetando custos de logística, vendas da indústria e do comércio; 40 transportadoras faliram nos últimos meses e já há risco de desabastecimento
Márcia De Chiara e Daniela Amorim | Rio, O Estado de S. Paulo
28 Agosto 2017 | 05h00
Depois de 14 anos transportando bebidas no Estado do Rio, o empresário Joaquim Rodrigo dos Santos fechou as portas da sua empresa em janeiro. “Quebrei por causa de tanto roubo”, diz. Ele chegou a ter as cargas de dois caminhões roubadas em um mesmo dia. Com tantos assaltos, a seguradora cancelou o contrato e o empresário, dono da maior transportadora de bebidas do Estado, calcula ter desembolsado R$ 1 milhão para ressarcir os clientes.
Assim como Santos, que fechou a transportadora, cerca de 40 empresas de médio e pequeno portes que atuavam no Rio de Janeiro faliram nos últimos meses, segundo o Sindicato das Empresas de Carga e Logística do Rio (Sindicarga). Essa estatística está diretamente ligada a outra: o número de roubos de cargas no Rio avançou quase 25% no primeiro semestre na comparação com o mesmo período de 2016, de acordo com o Instituto de Segurança Pública.
Hoje, o Estado tem mais de um caminhão roubado por hora. Em maio, quando as ocorrências atingiram seu ápice, foram, em média, 40 caminhões por dia, segundo dados exclusivos da Federação das Indústrias do Rio (Firjan). “Esses números gritam, é um absurdo”, diz Sérgio Duarte, vice-presidente da entidade. “Existe um mercado por trás disso.”
Os roubos de carga afetam os custos de logística e as vendas da indústria e do comércio. Em 12 meses, os gastos com transporte de mercadorias para o Rio subiram entre 30% e 35%, nos cálculos do Sindicarga. Fabricantes de eletroeletrônicos, alimentos e redes varejistas, que preferiram conceder entrevistas sem se identificar, afirmam que estão com dificuldade de contratar frete para abastecer o Rio de Janeiro. “Tem empresa que já não quer mais mandar carga para o Rio”, diz Duarte, da Firjan. “Estamos correndo um sério risco de desabastecimento, especialmente dos produtos mais roubados.”
Na lista dos preferidos dos bandidos estão frango, carne bovina e queijos – itens fáceis de revender. “Está uma loucura conseguir frango, por exemplo. Os supermercados compram, mas não recebem”, diz o presidente da Associação dos Supermercados do Estado do Rio de Janeiro (Asserj), Fabio Queiroz. Um levantamento da entidade mostra que algumas mercadorias chegam ao Estado com preços até 20% mais altos do que no restante do País como consequência do repasse dos custos de transporte.
A BRF, gigante do setor de frangos e comida congelada, contratou uma empresa de gerenciamento de risco para revisar as rotas e os horários de circulação dos caminhões no Rio. Em áreas de risco, eles trafegam em comboios de quatro a cinco veículos e usam escolta.
Nem caminhões carregados de ovos escapam das quadrilhas especializadas em roubo de carga. “Essas mercadorias voltam para as ruas em Kombis, que vendem a cartela com cinco dúzias a R$ 10. A cada caminhão roubado, são mil caixas de ovos que entram nas ruas por preços que não podemos concorrer”, diz o atacadista José Andrade, proprietário de uma distribuidora de ovos na zona norte do Rio.
Os fornecedores do atacadista, a maioria produtores de São Paulo, ameaçam suspender as entregas a cada ocorrência. “Os bandidos levam para a comunidade, distribuem a carga entre oito ou dez Kombis e posicionam uma em cada saída do morro”, conta. “O morador nem desce mais para o asfalto para comprar.”
Taxa de violência. Por causa do número crescente de roubos e para arcar com custos extras de mão de obra, as transportadoras criaram uma taxa de emergência, apelidada de “taxa de violência”. Ela pode chegar a até 1% do valor da carga na nota fiscal, acrescido de R$ 10 para cada 100 kg transportados. “O problema é que o motorista também não quer vir para o Rio”, diz Moura, do Sindicarga.
Além dessa despesa adicional, os gastos das transportadoras cresceram por conta da maiores exigências das seguradoras. Quando aceitam fazer seguro das mercadorias para o Rio, exigem serviços de monitoramento da carga, de gerenciamento para criar rotas mais seguras e até o uso de iscas descartáveis – dispositivos que permitem rastrear a carga roubada.
Eduardo Michelin, diretor de Transportes da corretora Willis Towers Watson, conta que recentemente consultou 14 seguradoras para fechar um seguro de uma carga de produtos de higiene e limpeza para o Rio e apenas três companhias se interessaram pelo negócio. Nas contas de Fernando Ferreira, presidente da corretora de seguros Vessel, o preço da operação de seguro de carga para o Rio mais que dobrou no último ano. “Há até conversas entre as seguradoras para excluir o Rio das apólices de seguros”, disse.
Embora os índices de roubo de carga permaneçam altos, a operação conjunta entre Forças Armadas e agentes de Segurança do Rio parece já ter levado a uma redução no número de ocorrências no Estado. Em junho, foram registrados, em média, 33 casos por dia. Em julho, ainda houve pelo menos 26 roubos a caminhões por dia.
Os números, no entanto, estão longe de encorajar o empresário Joaquim Rodrigo dos Santos a atuar novamente no Rio. Depois de fechar a transportadora de bebidas, ele opera hoje, da capital fluminense, uma frota de 12 caminhões, que leva café de Varginha (MG) para o Porto de Santos (SP). Sem passar pelo Rio.
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