Como o sonho de um banco em criar a maior rede de farmácias do país acabou afundado em dívidas
Após acumular dívidas de R$ 1,2 bilhão com mais de 15 mil credores, a BR Pharma, fundada pelo banco BTG, entrou com um dos maiores pedidos de recuperação judicial de uma empresa varejista do país
Jéssica Sant’Ana [23/02/2018]
Fundada por um banco com o objetivo de ser o primeiro e o maior conglomerado de redes de farmácias do país, a Brasil Pharma, mais conhecida como BR Pharma, acabou afundada em dívidas. O grupo chegou a ter sete marcas diferentes funcionando ao mesmo tempo, mais de 1,2 mil unidades e faturamento de R$ 3,5 bilhões, mas não conseguiu tornar toda essa estrutura lucrativa nem unificar as bandeiras para criar uma única e forte rede com atuação em todo o Brasil. O resultado foi que a companhia entrou no início do ano com um dos maiores pedidos de recuperação judicial de uma empresa varejista do país, após acumular dívidas de R$ 1,2 bilhão com mais de 15 mil credores.
A BR Pharma foi fundada em 2009 pelo BTG Pactual, em um momento que o banco queria diversificar seus negócios. A ideia foi aproveitar a lacuna existente na época no mercado farmacêutico, que era muito pulverizado e formado por redes regionais, para formar o primeiro e maior conglomerado de redes de farmácias do país. Depois, vender esse conglomerado por um valor bilionário.
O banco criou, então, a BR Pharma e adquiriu diversas redes regionais para formar o grupo farmacêutico. Entre 2009 e 2012, foram oito aquisições: Rede Nordeste de Farmácias, com atuação em Pernambuco; Farmácia dos Pobres, com atuação no Nordeste; Rosário Distrital, líder em Brasília e na região Centro-Oeste; Guararapes Brasil, líder em Pernambuco; Farmais, com presença no estado de São Paulo; Mais Econômica, presente no Rio Grande do Sul e em Santa Carina; Sant’Ana, líder na Bahia; e Big Ben, do Pará. O grupo também comprou, dentro desse período, um centro de distribuição e realizou, em 2011, sua primeira oferta pública de ações (IPO, na sigla em inglês) na Bolsa brasileira.
Falta de integração das marcas foi o maior problema
Mas o que era para ser o maior conglomerado do país fracassou diante da falta de integração entre as marcas e a excessiva queima de caixa, resultando no endividamento do grupo. “A ideia inicial foi partir para uma série de aquisições, porém um dos grandes problemas foi a descentralização das decisões. A partir do momento que ela foi adquirindo as várias empresas das mais diferentes regiões do país, foi diversificando o número de acionistas e de pessoas que poderiam eventualmente tomar decisões dentro do grupo sem ter um CEO forte que tivesse uma unanimidade para centralizar todas as operações”, afirma Vitor Suzaki, analista da Lerosa Investimentos. “Ela acabou deixando, em alguns casos, o controle nas mãos dos antigos proprietários das farmácias adquiridas e isso acabou tendo um efeito negativo, cada um tinha uma estratégia diferente. Não era uma empresa que visava um grande resultado como um todo, era uma holding que não funcionava com uma holding”, completa Suzaki.
Das oito redes compradas, apenas três foram integradas. Em 2010, a Rede Nordeste de Farmácias passou a operar conjuntamente com a Guararapes Brasil, ambas sob a marca Farmácias Guararapes. Dois anos e meio mais tarde, a Farmácias Guararapes foi integrada à Big Ben. Com isso, a BR Pharma chegou a ter entre março e junho de 2012 sete marcas operando ao mesmo tempo, de Norte a Sul do país, com uma gestão descentralizada.
Além da falta de unificação das marcas para formar uma única rede nacional forte o suficiente, o BTG não integrou as áreas de compras e logística das marcas, o que aumentava os custos da operação e diminuía a eficiência, fez a aquisição de algumas redes com perfis muito distintos e muito distantes geograficamente e não focou na operação do dia a dia das lojas. Era um grupo de redes de farmácias, mas com quase uma dezena de bandeiras atuando sem uma estratégia conjunta.
Os erros de gestão e as diversas aquisições fizeram a BR Pharma queimar muito caixa e a tornou dependente de injeção de capital para funcionar. O resultado foi um prejuízo de R$ 1,52 bilhão acumulado até novembro de 2017 e dívida de R$ 1,2 bilhão sendo negociada dentro do plano de recuperação com mais de 15 mil credores. O seu principal credor individual é o BTG, que tem R$ 984,3 milhões a receber, fruto dos diversos aportes que fez na rede. Entre os outros credores, estão indústrias farmacêuticas, fornecedores gerais, bancos, empresas públicas e funcionários.
Tentativa de correção e novo dono
Em 2015, o BTG tentou corrigir o rumo da BR Pharma, mas já era tarde demais. Na época, o principal executivo do banco, o empresário André Esteves, foi preso por corrupção, o que levou o BTG a acelerar a venda de ativos. Na área farmacêutica, o grupo vendeu a rede Mais Econômica, com atuação no Sul, por R$ 44 milhões ao fundo Verti e, em 2016, vendeu a Rosário, com presença no Centro-Oeste, por R$ 173 milhões à Profarma. O banco tentou repassar, ainda, as bandeiras Big Ben e Farmais, mas não teve sucesso.
Com as vendas e as unificações feitas anteriormente, restaram somente três bandeiras para a BR Pharma: Farmais, que opera em diversas regiões do país através de franquias, e Big Ben e Sant’Ana, com lojas próprias operando na Bahia, no Pará e em Pernambuco.
O enxugamento da estrutura foi suficiente apenas para o BTG conseguir repassar o grupo ao fundo Lyon Capital, do empresário Paulo Remy, conhecido por comprar empresas em dificuldades financeiras. O valor da venda foi simbólico: R$ 1 mil. E o BTG acabou saindo como o maior credor da BR Pharma, devido aos vários aportes que fez na empresa ao longo dos anos.
O novo controlador da BR Pharma afirmou que iria readequar os processos de gestão da empresa e controlar a dívida para que o grupo voltasse a investir em suas atividades. “[Remy] comprou mais por conta dessa possibilidade de turnaround da companhia. Eles ficaram com alguns ativos que poderiam vir a ser interessantes. A ideia seria fazer a integração desses ativos ou vender algum desses ativos, o que resultaria em um caixa significativo ou pelo menos reduziria a dívida”, explica Suzaki.
Remy tentou novos financiamentos e renegociação da dívida com os credores, mas não teve sucesso na sua empreitada. Com isso, a BR Pharma entrou no dia 10 de janeiro com um pedido de recuperação judicial. O pedido foi aceito pela Justiça e a proposta de renegociação das dívidas deve ser apresentada até o fim da primeira quinzena de abril, sob pena de falência do grupo.
A Brasil Pharma tem 288 lojas próprias das bandeiras Sant’Ana e Big Ben, sendo que 217 estão com seu funcionamento suspenso até o fim do processo, 433 franquias da bandeira Farmais (muitas em processo de litígio) e 4,5 mil funcionários. É o sexto maior grupo farmacêutico do país em faturamento.
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