Em busca de “vacinas” contra o câncer, cientistas já testam injeções que possam nao só tratar mas também evitar a doença

Marcello Campos

2 de janeiro de 2018

Imagine uma substância que, ao entrar no corpo, é capaz de tratar um tumor maligno já existente e, também, prevenir que o paciente volte a desenvolver a doença. Essa terapia genética que faz as vezes de “vacina” é o que buscam pesquisadores de todo o mundo, alguns com resultados já promissores em laboratório. Um desses estudos, com foco em câncer de pele, é desenvolvido há seis anos no CNPEM (Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais), em Campinas (SP).

Agora, os cientistas de lá conseguiram comprovar em camundongos que a “vacina” criada por eles conseguiu curar a doença em 30% dos casos e que, de todos os animais tratados, 40% não voltaram a desenvolver câncer mesmo depois de tomar injeções de células com o tumor. Os resultados foram publicados na revista científica “Frontiers in Immunology”.

O tumor investigado no estudo é o melanoma, tipo mais agressivo de câncer de pele. Aliás, grande parte das pesquisas que trabalham com terapia genética para estimular o próprio sistema imunológico a eliminar o câncer centram seus esforços no melanoma. Isso acontece porque, embora ele represente apenas 3% dos cânceres de pele, tem alto risco de gerar metástase — quando o tumor se espalha para outro órgão.

Pesquisador do CNPEM e um dos autores do estudo, Marcio Chaim Bajgelman explica que células de melanoma foram cultivadas em laboratório e modificadas geneticamente para que sua superfície passasse a ter imunomoduladores. São eles que tornam as células reconhecíveis para o sistema imunológico, que, assim, pode atacá-las. Uma forma de fazer com que esse efeito fosse mais forte foi combinar três linhagens diferentes de células tumorais, cada uma com um tipo de imunomodulador.

“Essa combinação foi muito significativa e essencial para que vários camundongos terminassem o estudo, após um ano de acompanhamento, sem vestígio do tumor”, diz Bajgelman. “O novo caminho dos tratamentos oncológicos é, justamente, a combinação de imunomoduladores. Isso dá origem a “vacinas” derivadas da própria célula tumoral.”

Especialista em bioquímica e também doutor em biotecnologia, ele destaca que o grande avanço dessa pesquisa foi indicar a possibilidade de a droga criar uma memória imunológica: o organismo do paciente tratado com ela “se lembra” de como atacar as células de câncer, o que impede que o tumor volte a aparecer.

Essa memória não foi observada em todos os camundongos “vacinados”, mas em 40%, índice considerado expressivo pelo pesquisador. “O grande diferencial deste trabalho em relação a outros de mesmo tipo é indicar um efeito de duração de longo prazo. Quando os animais foram “redesafiados”, ao injetarmos neles células de melanoma, muitos não desenvolveram o tumor. O tratamento aumentou a imunovigilância do organismo, a capacidade de reconhecer e inibir doenças”, afirma Bajgelman.

Segundo ele, a mesma lógica pode ser usada para outros tumores que não os de pele. O próximo passo é testar o funcionamento da “vacina” em células de câncer retiradas de pacientes, por biópsias, por exemplo. Até agora, os testes foram apenas com células tumorais cultivadas em laboratório. “Devemos começar ensaios em células humanas nos próximos meses”, acredita.

Para a analista de marketing Patrícia Miranda, a existência de uma “vacina” assim seria motivo de alívio. Ela foi diagnosticada há três meses com melanoma grau 3 – o nível de agressividade é medido numa escala de 1 a 5. Incomum para a idade dela, que tem só 26 anos, esse tipo de câncer é mais frequente em pessoas acima dos 60 anos. E, quanto mais jovem se é, mais rapidamente precisa ser feita a cirurgia de retirada, porque o risco de metástase é ainda maior. Patrícia se submeteu à operação menos de um mês após o diagnóstico.

Esclarecimento

Para o coordenador do Departamento de Cirurgia e Oncologia da SBD (Sociedade Brasileira de Dermatologia), Curt Mafra Treu, a pesquisa desenvolvida em Campinas é promissora, mas são necessários mais estudos que haja certeza da existência de uma memória imunológica. Ele destaca, também, que é importante não confundir esse tipo de droga com uma vacina convencional.

“Não é um tratamento preventivo, não será aplicado em uma pessoa saudável”, ressalta. “Já houve diversos estudos de melanoma com vacinas. Infelizmente, a maioria deu negativo. Mas esse campo nos deixa muito animados. É o futuro do tratamento oncológico.”

Também segundo Andreia Melo, oncologista clínica da Oncologia D’Or, as pesquisas têm caminhado para a elaboração de terapias que estimulem de alguma forma o sistema imunológico. Tanto por medicamentos que ajudem o organismo a reconhecer características do tumor, quanto por “vacina”.

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