Estudo com participação de pesquisador brasileiro traz luz à futura vacina contra malária vivax
Descoberta de uma nova via de entrada na hemácia muda o que se sabia em relação à P. vivax
Marcelo Urbano Ferreira, um dos principais especialistas em malária no Brasil, é um dos pesquisadores que participam do estudo publicado recentemente na revista Science intitulado “Transferrin receptor 1 is a reticulocyte-specific receptor forPlasmodium vivax”. O trabalho mostra que anticorpos contra PvRBP2b bloqueiam parcialmente a invasão de reticulócitos por P. vivax, sugerindo um alvo interessante para o desenvolvimento de vacinas. Para o teste de anticorpos, foram utilizados parasitos obtidos de pacientes do Brasil e da Tailândia. Com eles, obteve-se até 64% de inibição da invasão de reticulócitos in vitro.
De acordo com o Dr. Ferreira, até o momento, sabia-se que o Plasmodium vivax invade preferencialmente reticulócitos, especialmente aqueles bem jovens, que ainda expressam o receptor de transferrina-1 (TfR1), também conhecido como CD71, em sua superfície. “O que esse trabalho traz de novo é a identificação de TfR1 como um receptor para a entrada de merozoítos de P. vivax em reticulócitos, explicando assim sua preferência por esse tipo celular” detalha. Além disso, o trabalho identifica a molécula de P. vivax que interage com TfR1 no processo de invasão; trata-se de uma das proteínas de ligação em reticulócitos de P. vivax (reticulocyte binding proteins, PvRBP) conhecida como PvRBP2b.
Para o pesquisador, a larga colaboração internacional contribuiu para este achado inovador. A parte principal do trabalho foi realizada na Austrália, pelo grupo capitaneado pela Dra. Wai-Hong Tham, a quem cabe o mérito pela descoberta. Os demais colaboradores participaram de etapas específicas do trabalho delineado por ela. “Junto com o grupo do Dr. Manoj Duraisingh, da Escola de Saúde Pública de Harvard (também coautor do artigo), temos aprimorado estratégias de cultivo de curto prazo de P. vivax in vitro, para uso em ensaios de re-invasão de reticulócitos. Esses ensaios foram importantes para mostrar o efeito inibitório de anticorpos anti-PvRBP2b no processo de invasão”, completa.
O grupo do Dr. Duraisingh também padronizou ensaios de invasão de P. vivax in vitro em uma linhagem de células (JK-1) de eritroleucemia. O interessante é que essas células podem ser manipuladas geneticamente, por exemplo, mediante o uso de CRISPR/Cas9 (um sistema de edição genômica muito utilizado nos dias atuais). Desse modo, o Dr. Duraisingh obteve reticulócitos derivados de células JK-1 que não expressam TfR1 e mostrou que elas são refratárias à invasão por P. vivax (que depende desse receptor) mas não por P. falciparum (que não depende desse receptor).
Segundo o Dr. Ferreira, agora diversos grupos estão interessados em caracterizar respostas naturalmente adquiridas de anticorpos contra a PvRBP2b, para saber se são protetoras contra a infecção por P. vivax. “Em outras palavras, se a presença de tais anticorpos pode ser interpretada como um marcador de imunidade adquirida contra a malária vivax. Este é um de nossos interesses na colaboração com a Dra. Tham”, ressalta.
O especialista acredita que em longo prazo seja natural que a PvRBP2b seja vista como um importante candidato para o desenvolvimento de vacinas contra a malária vivax. “O nível de otimismo em relação ao desenvolvimento e ao uso de vacinas contra a malária é muito variável entre os pesquisadores da área, mas este não deixa de ser um desdobramento possível desse trabalho”, avalia.
Por fim, o Dr. Ferreira salienta a importância estratégica do Brasil como país endêmico onde há boa capacidade de pesquisa em malária. “Se soubermos desenvolver nossa capacidade de fazer trabalho de campo de bom nível e pesquisa laboratorial de ponta, teremos nosso lugar assegurado entre os principais produtores de ciência de ponta, especialmente em malária e outras doenças tropicais”, conclui.
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