Farmacêutica Shire vai apresentar proposta por parceria para produzir hemoderivado
Ministério da Saúde suspendeu o acordo milionário, firmado com a empresa e a estatal de sangue Hemobrás, sob a justificativa de desrespeito ao contrato
Lígia Formenti, O Estado de S. Paulo
17 Julho 2017 | 21h01
BRASÍLIA – A farmacêutica Shire vai apresentar até sexta ao governo uma proposta para manter a Parceria de Desenvolvimento Produtivo do Fator VIII recombinante, hemoderivado essencial para pacientes hemofílicos. Na semana passada, o Ministério da Saúde suspendeu o acordo milionário, firmado com a empresa e a estatal de sangue Hemobrás, sob a justificativa de desrespeito ao contrato.
A pasta concedeu o prazo de 10 dias para que uma proposta de redefinição do acordo fosse apresentada. Na mesa de negociação, a Shire vai sugerir uma redução de 10% do valor do preço do hemoderivado, a extensão do prazo para o pagamento do produto, o aporte de recursos para a conclusão da fábrica da Hemobrás, além de perdão de parte da dívida da estatal acumulada com a empresa A estratégia foi anunciada ao Estado pelo presidente da Shire no Brasil, Ricardo Ogawa.
Firmada em 2012, a PDP previa que a Shire deveria transferir toda a tecnologia para produção do hemoderivado à Hemobrás num prazo de até 10 anos. Durante esse período, a empresa ficaria encarregada de abastecer o mercado brasileiro, sem concorrentes.
O compromisso era de que a transferência de tecnologia começaria em cinco anos. O prazo, porém, nunca saiu do papel. Além do atraso na transferência, a Hemobrás acumulou uma dívida de US$ 174 milhões com a Shire. O presidente da estatal do sangue, Oswaldo Cordeiro Paschoal Castilho, atribuiu o rombo ao formato do contrato da PDP.
A transação é feita em três etapas. A Shire vende o produto à Hemobrás que, por sua vez, repassa para o Ministério da Saúde. Na transação, o Ministério paga à Hemobrás e a estatal, à Shire.
Pelo acordo, o preço do hemoderivado fornecido pela Shire à Hemobrás era estabelecido em dólar. Não havia no contrato nenhuma cláusula com regras que protegessem a estatal, caso houvesse uma mudança de câmbio. Com a desvalorização do real e a ausência de ajustes na verba repassada pelo governo federal à empresa, a dívida em pouco tempo cresceu.
“Temos todo o interesse em manter a parceria”, afirmou Ogawa. Ele contou que desde outubro tenta um encontro com o ministro da Saúde, Ricardo Barros, para discutir o acordo, mas sem sucesso.
A suspensão da PDP ocorre um mês depois de o ministro dar pessoalmente início a uma negociação para a construção de uma fábrica de hemoderivados em Maringá (PR), seu reduto eleitoral. Pela proposta, um consórcio seria formado entre os laboratórios públicos estaduais Butantã (SP), Tecpar(PR), Hemobrás e a empresa suíça Octapharma. Os três laboratórios ficariam encarregados da produção de hemoderivados para o País. Para o plano seguir em frente, no entanto, o primeiro passo é terminar a PDP com a empresa Shire.
É justamente isso que Ogawa quer evitar. O mercado de hemoderivados no Brasil é milionário. Perder a PDP seria abrir mão de pelo menos mais cinco anos de monopólio da venda de Fator VIII recombinante, hemoderivado que custa 11 vezes mais do que o hemoderivado preparado a partir de plasma humano. A despesa média mensal somente para a compra desse hemoderivado é de R$ 157 milhões.
Ogawa rebate a crítica de que o contrato firmado entre a empresa e o governo brasileiro trazia riscos apenas para o Brasil. “Na época não havia variação da moeda estrangeira”, disse. Ele argumenta que os riscos eram os mesmos, uma vez que a Shire também poderia sair perdendo, caso o real tivesse uma valorização frente ao dólar.
O presidente da Shire afirma que a dívida da Hemobrás, que oficialmente é a compradora do hemoderivado, foi acumulada em oito meses. Ogawa assegura ainda que o atraso na transferência de tecnologia não ocorreu por problemas da Shire, mas por falta de estrutura da Hemobrás. A produção de Fator VIII recombinante dependia de alterações no projeto da fábrica. As obras, no entanto, nunca foram em frente: por erros de projeto e suspensão de repasses de recursos por denúncias de superfaturamento e outras irregularidades.
Para não perder o contrato, a Shire disse estar disposta a perdoar o valor dos juros da dívida, hoje estimado em US$ 40 milhões. O investimento para conclusão das obras da Hemobrás, de acordo com estimativas do presidente da estatal é de R$ 629 milhões – recurso que o ministro da Saúde já avisou que não tem para investir e que agora a Shire promete assumir.
A dispensa da necessidade de investimento é justamente a maior vantagem do consórcio que poderia ser formado com a Octapharma. A empresa suíça havia se comprometido a investir R$ 500 milhões no Brasil não apenas para concluir a planta da Hemobrás, mas para construir a fábrica da Tecpar e ajustar a produção do Instituto Butantã.
Ogawa não quis adiantar qual será a estratégia da empresa caso o Brasil não aceite o acordo e termine a PDP. “É prematuro dizer. Nossa preocupação atual é com a manutenção do tratamento dos pacientes que estão em tratamento”, diz.
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