Novo olhar para uma velha conhecida
Para aumentar receita, pequeno produtor tenta sofisticar fabricação da cachaça, em movimento similar ao dos vinhos e das cervejas artesanais
Roberta Cardoso ESPECIAL PARA O ESTADO – O Estado de S.Paulo
Família. Wilson e Alan, pai e filho, patentearam a ‘Caipirinha na boca’, um novo jeito de degustação
O consumo de cachaça no Brasil só perde para a cerveja. A segunda bebida alcoólica mais vendida no País chega a movimentar R$ 1 bilhão por ano. E tem potencial para crescer muito mais, principalmente se as pequenas e médias empresas, que correspondem a 98% dos 40 mil produtores do País, estiverem determinadas a oferecer uma versão premium da bebida.
“A cachaça ainda carrega um estigma, há muito preconceito por parte do brasileiro. O momento é de valorizar o produto, é um movimento do setor para adotar boas práticas”, afirma o diretor executivo do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), Carlos Lima.
O preconceito é alimentado pela imagem de uma bebida vendida a preço baixo e supostamente de qualidade inferior. Seguindo um caminho similar ao do vinho e das cervejas artesanais, que conseguiram bom posicionamento no mercado nacional ao se sofisticarem, a palavra de ordem do setor é agregar valor à cachaça e recuperar o espaço perdido para outros destilados.
Embora o consumo da bebida (501,5 milhões de litros em 2016) seja superior ao do uísque (348 milhões/l) e ao da vodca (270 milhões/l), os produtores têm como desafio para crescer a alta carga tributária e vencer o preconceito histórico em relação à aguardente.
“O Brasil aprendeu a sobreviver na crise. E embora seja um segmento muito sobretaxado, existe mercado aqui e também para exportação”, aponta Zoraida Lobato, diretora da Cachaça Trade Fair, evento que reuniu empresas do setor em São Paulo, neste mês, para aproximar produtores e varejo.
As mudanças no perfil de consumo afetam também a produção das bebidas. Hoje, as cachaças com aromas, sabores e que são produzidas de forma sustentável disputam espaço nas gôndolas com bebidas importadas.
Filho de mineiros e apreciador da bebida, Wilson Ramos, 60 anos, fundou a Wiba em 2014. Então recém-aposentado, ele investiu R$ 2 milhões para fundar sua empresa no interior de São Paulo. De cara, adotou método produtivo que dá prioridade à qualidade em todas as etapas e reaproveita resíduos para gerar combustível para veículos da empresa.
“O mercado estava aquecido quando eu decidi investir. Mas antes, eu me capacitei e tive ajuda do meu filho para pensar o negócio”, diz. Formado em publicidade, Alan Ramos cuida do marketing da Wiba, e tem planos de fazer o faturamento de R$ 1,5 milhão chegar a R$ 3 milhões nos próximos dois anos.
Parte do sucesso da bebida feita, segundo os Ramos, está no sistema de produção, pelo qual somente as partes nobres da cana são utilizadas, e também na forma de vender a cachaça. Para quebrar a resistência em relação à cachaça, a Wiba patenteou a ‘Caipirinha na boca’, uma “experiência que desconstrói” o jeito de saborear o drink mais popular do País.
“É um kit. Uma jarrinha que serve até oito doses é vendida juntamente com a cachaça. Acompanham frutas cortadas e temperos variados que podem ser sal, açúcar, especiarias, chocolate…o que a imaginação mandar. A pessoa molha a fruta em um tempero da sua preferência, morde e depois bebe a cachaça”, conta Alan.
“A melhor forma de quebrar o preconceito é mostrar que a cachaça é uma bebida que vale a pena. Conseguimos distribuir nossa bebida para restaurantes renomados com um argumento simples: de que adianta servir o melhor prato e pecar na cachaça?”
Orgânica. Não basta ser uma boa bebida. A forma como a cachaça é produzida também pode significar melhor posicionamento no mercado. É o caso da marca pernambucana Sanhaçu. Em 2008, a bebida entrou no mercado provocando um certo estranhamento por ser orgânica. Elk Barreto, sócia da empresa junto com dois irmãos, conta que nem sob consignação conseguia vendê-la nos pontos mais renomados de Recife. “Diziam que era mais cara e que não traria giro para as lojas.”
Quase dez anos depois, a Sanhaçu não só passou a ser uma marca reconhecida pela qualidade, mas também pelo sistema de produção. Desde 2015, a marca pernambucana tornou-se o primeiro engenho do Brasil a operar 100% com energia solar, segundo Elk.
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