O Grupo Pão de Açúcar em reforma

O grupo perdeu a supremacia dos últimos anos, viu as ações caírem, as margens encolherem e o lucro anual se transformar em prejuízo. Mas o presidente, Ronaldo Iabrudi, diz que o pior já passou. Saiba como ele pretende retomar a rentabilidade e a liderança

16/08/2017 – 07h02 – Atualizada às 09h33 – POR

Ronaldo Iabrudi assumiu o comando do Grupo Pão de Açúcar em janeiro de 2014, quatro meses depois da saída de Abilio Diniz da presidência do conselho de administração da rede de varejo. A missão era delicada. O novo comandante, formado em psicologia, com mestrado na Universidade de Sorbonne e passagens por setores como telecom e mineração, teria de colocar em prática o estilo dos franceses do Casino, controlador do GPA, melhorar os resultados financeiros de forma sustentável e, como consequência, apagar o DNA dos fundadores da companhia. Sem descuidar, é claro, da motivação dos funcionários – acostumados ao estilo Abilio e abalados pela conflituosa troca de comando. Para piorar, no meio desse processo de reorganização da casa, o GPA foi pego pela desidratação da economia – queda de 3,6% do PIB no ano passado e de 3,8% em 2015 – e a consequente perda do poder de compra do brasileiro. O varejo, é claro, sentiu o golpe.

Dados do IBGE mostram que o segmento “supermercados e hipermercados” encolheu 3,1% em 2016 e 2,5% no ano anterior. De 2014 para cá, a receita do GPA Alimentos (excluindo Via Varejo) cresceu, mas a margem caiu. O lucro líquido, que batia em R$ 871 milhões há três anos, transformou-se em prejuízo de R$ 133 milhões. Resultado: em quatro anos, as ações do GPA despencaram de R$ 109,8 para R$ 64,13 (chegaram a cair para R$ 49). “A economia jogou contra o varejo, sim, mas os números também refletem o momento de reestruturação da empresa”, diz Paola Mello, analista do Citibank.

Ainda assim, Iabrudi avalia que a parte mais difícil da reestruturação já passou. Agora, segundo ele, deve vir um alento, em boa parte com o reforço de caixa previsto para acontecer com a venda dos 43,3% de participação do Casino na Via Varejo (que reúne as marcas Casas Bahia e Ponto Frio). A decisão de passar a empresa adiante foi anunciada no fim do ano passado, depois de os franceses perceberem que o momento é de priorizar o setor de alimentos, onde o retorno é maior. O mercado estima que a venda pode render R$ 1,9 bilhão ao GPA. “O dinheiro ficará no Brasil e será investido em todas as bandeiras”, diz Iabrudi. “Isso vai nos ajudar a crescer numa velocidade maior.”

O executivo não cita o concorrente direto, o Carrefour, que é líder em vendas no varejo nacional, mas avisa que vai retomar a primeira posição do ranking. “Foram dois anos trabalhando fortemente nos fundamentos básicos do varejo. Nos últimos dez meses, já colhemos os frutos, com aumento da receita e recuperação do market share. Ao longo de 2017 o mercado vai ver o resultado do trabalho”, afirma. O valor das ações melhorou um pouco no final de abril, puxado pelos números mais animadores do primeiro trimestre na área alimentar: lucro líquido de R$ 81 milhões (ante prejuízo de R$ 10 milhões no mesmo período de 2016).

Quem acompanha a empresa de perto aponta as principais diferenças entre a gestão dos tempos de Abilio Diniz e do Casino. Abilio cobrava da equipe cada inovação que a concorrência fazia, sem colocar na ponta do lápis o retorno que aquilo poderia dar ao caixa. Gostava de arriscar nos negócios sem necessariamente comprovar sua eficácia. Os bons ventos da economia permitiam esse risco. Já nas mãos dos franceses o Pão de Açúcar segue a cartilha que prioriza resultados financeiros. Outra diferença é que Abilio não se importava se tivesse de entrar em guerra com os fornecedores. Foi assim quando boicotou marcas que decidiram repassar altas de preço. A direção do Casino, por sua vez, diz ser adepta da política do ganha-ganha. Essa filosofia mais austera e mais discreta pode até funcionar em tempos de crise, mas Casino e Iabrudi sabem que, passada a tormenta, terão de mostrar também uma certa ousadia no mercado brasileiro se quiserem realmente desbancar o Carrefour.

As dores da crise
Em 2015 e 2016, o GPA investiu por volta de R$ 1,5 milhão em suas bandeiras, sobretudo em melhorias físicas e no atendimento, carências apontadas em pesquisas com clientes. Segundo o presidente do GPA, frequentadores de algumas das bandeiras do grupo apontaram problemas que vão desde as instalações das lojas até falhas de abastecimento. Para Alexandre Horta, sócio da PwC, algumas redes de varejo acabaram exagerando ao puxar o freio de mão por conta da crise econômica. O resultado foi a perda de qualidade em muitas operações, com quadro menor de funcionários, menos investimento no treinamento de pessoal e na organização da loja. “Alguns segmentos sofreram muito com a queda de receita e buscaram unicamente um caminho defensivo”, diz Horta. “O problema é que, quando a economia melhorar, poucos terão uma alternativa de inovação para satisfazer as expectativas daquele consumidor que manteve um certo poder de compra e que não retroagiu em suas exigências.”

Além do reforço de caixa com a venda da Via Varejo, Iabrudi acredita que a economia já tem dois empurrões importantes para encontrar a trajetória de retomada – a queda da taxa básica de juros e a redução da inflação, apesar de o número de desempregados no país continue a ser preocupante. Ainda que o GPA conte em breve com um estímulo financeiro para acelerar seu plano de reestruturação, seu presidente prefere se manter conservador quanto ao retorno aos investidores, que viram os papéis da empresa perderem muito valor até o início do ano passado e que, nos últimos meses, têm obtido uma recuperação muito lenta. “É claro que o preço da ação não é o que a gente gostaria. Em 2017 o GPA vai ter uma rentabilidade melhor, e isso deve fazer com que o mercado precifique de forma mais positiva.”

Parte da recuperação de alguns números do GPA vem do desempenho da bandeira Assaí, que tem aproveitado a expansão do segmento de atacarejo entre os brasileiros – com o bolso mais vazio, o consumidor, obviamente, busca os melhores preços. O Assaí fechou 2016 respondendo por 35% das vendas do setor de alimentos no GPA (registrava 28% em 2015). A previsão é terminar o ano com até 43%. Para dar conta do aumento da demanda, Iabrudi converteu algumas lojas do hipermercado Extra para o atacarejo. No ano passado foram cinco, e outras 20 podem trocar de bandeira até dezembro. Esse movimento não significa, contudo, o congelamento do Extra. “A bandeira não ficou nem vai ficar adormecida”, diz Iabrudi. Algumas lojas passaram por uma reformulação, com ajustes que, segundo ele, permitiram manter o crescimento de vendas. Um deles foi a oferta de 300 produtos com o mesmo preço do atacarejo. “Já constatamos dez meses seguidos com ganho de participação”, diz.

Varejo em metamorfose
O reposicionamento de lojas é apenas uma das mudanças em curso no GPA. Iabrudi sabe que é preciso investir em serviços e criar um canal de comunicação mais direto com o consumidor. Nesse sentido, vem costurando parcerias com empresas como Unilever, Nestlé e J&J para iniciar um plano de promoções personalizadas, via smartphone, para quem faz parte dos programas de fidelidade do Extra e do Pão de Açúcar. Por meio de softwares CRM, que servem para identificar hábitos de consumo dos clientes, as indústrias poderão desenvolver ofertas avaliando o perfil de suas compras e a localização das lojas. Além de atrair mais gente para os pontos de venda, Iabrudi espera economizar nos investimentos em campanhas publicitárias, já que as promoções atingirão diretamente o público-alvo. As ofertas chegarão via aplicativo de celular. Outra vantagem para o GPA é que não será preciso oferecer os descontos a 100% dos clientes, porque as promoções serão direcionadas.

Iabrudi também pretende inovar no modelo de negócios. Uma das iniciativas em curso foi importada da empresa colombiana Éxito, comprada pelo Casino em 2014. O GPA, por meio da bandeira Compre Bem, torna-se uma espécie de franqueador junto a pequenos comércios (como mercearias e minimercados), ajudando-os a organizar o ponto de venda e melhorando a operação. Com o contrato fechado, o negócio, além de ganhar um banho de loja, passa a carregar também a bandeira Compre Bem e aproveita o know-how de um gigante do varejo para aumentar as vendas. Até o fim de 2016 já estavam em operação cem parcerias, e Iabrudi espera terminar o ano com 500 contratos. “É um negócio com baixo investimento e bastante rentável. O franqueado paga um percentual pelo know-how que recebe e o GPA ganha mais escala”, afirma. Outra aposta são as parcerias com empresas para que se instalem nas lojas do Extra, no conhecido conceito de store-in-store. Isso já funciona em algumas unidades com parceiros como a Etna, de móveis e decoração. “Os hipermercados são um modelo em que vale a pena investir, pois, geralmente, são lojas instaladas em bons pontos. Com a melhora da economia, os consumidores devem voltar para os hipermercados, por isso é preciso estar preparado”, diz Marcel Moraes, analista de varejo do Deutsche Bank. É o que Iabrudi espera.

* Reportagem publicada originalmente na edição de maio de Época NEGÓCIOS

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