Os medicamentos mais caros para o estômago são mais eficientes?
Pesquisas sugerem que o omeprazol e os demais medicamentos semelhantes – usados no tratamento de gastrite e doença do refluxo – têm efeitos equivalentes. O que muda é o preço
RAFAEL CISCATI
16/06/2017 – 16h51 – Atualizado 16/06/2017 18h07
A questão
Quero perguntar sobre o velho e bom omeprazol, que tomo de vez em quando desde que fui diagnosticada com gastrite há trtês anos. De vez em quando, há farmacêuticos que tentam empurrar uns mais caros, como pantoprazol ou nexium. Há algum estudo que indique que eles são melhores?
Liege Albuquerque – Manaus (AM)
O que a ciência diz
O omeprazol e o pantoprazol fazem parte de um grupo de medicamentos chamados inibidores de bomba de prótons. Sua função é diminuir a produção do ácido liberado no estômago, e usado na digestão dos alimentos.
Além desses dois, há diversos outros inibidores, que funcionam seguindo esse mesmo princípio. Todos são recomendados para aquelas situações em que a pessoa sofre com alguma lesão ou inflamação no estômago ou esôfago, como uma úlcera ou gastrite: “Ao reduzir a acidez, você dá ao organismo tempo para a lesão cicatrizar”, diz a professora Daniela Melo, do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Os inibidores de bomba de prótons são também frequentemente receitados para o tratamento de um problema chamado Doença do Refluxo Gastroesofágico. Ela surge quando a pessoa sofre com uma lesão no mecanismo de passagem do esôfago para o estômago. Por causa do dano, os ácidos produzidos no estômago fazem o caminho até o esôfago, e podem chegar até a boca – provocando aquela sensação de queimação, conhecida popularmente como azia, mas que os médicos chamam de pirose.
Nem sempre o tratamento desses problemas exige o uso de inibidores. Nas ocasiões em que eles são necessários, o uso do medicamento costuma durar entre quatro e 12 semanas, ao final das quais o médico avalia se o problema foi resolvido e o que fazer a seguir – se aumentar a dosagem do medicamento ou recomendar mudanças de hábitos e dieta. A decisão quanto a qual medicamento usar – se omeprazol, pantoprazol ou um terceiro – cabe ao médico. Mas os estudos hoje disponíveis indicam que, qualquer que seja a escolha, os resultados serão parecidos. Em 2009, a Federação Brasileira de Gastroenterologia – em parceria com outras instituições – publicou uma revisão de estudos que comparavam a eficácia desses inibidores. No total, os autores analisaram os resultados de 87 trabalhos. Concluíram que seus efeitos são equivalentes: “No final, a decisão hoje é sobre o preço”, diz Daniela, da Unifesp. “Se o médico receitar pantoprazol, os resultados serão tão bons quanto se tivesse receitado o omeprazol”.
A conclusão é compartilhada por outro estudo semelhante, publicado em 2008 por pesquisadores da Universidade de Ulm, na Alemanha. Os cientistas selecionaram 57 trabalhos que comparavam a eficiência do omeprazol, pantoprazol, lansoprazol, esomeprazol e rabeprazol na redução da acidez do estômago. Descobriam, por exemplo, que um comprimido de 20 miligramas de omeprazol (uma dosagem comum disponível no mercado) tem efeitos equivalentes a um comprimido de 40 miligramas de pantoprazol – novamente, uma dosagem comumente receitada. São essas, inclusive, as dosagens recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para o tratamento de doença do refluxo.
Se são iguais, por que receitar um ou outro ?
Isso não quer dizer que todos os inibidores sejam iguais. Medicamentos diferentes podem ter atuação diferente. “Eles são muito específicos – suas moléculas atuam sobre determinados receptores no corpo”, diz Daniela. Em teoria, o pantoprazol tem ação mais eficiente sobre os receptores do estômago. É uma vantagem teórica: os estudos na área não perceberam essa diferença. “Essa é a propaganda da indústria. Na prática, não há evidências de que ele seja superior aos demais.”
A revisão feita pela Federação Brasileira de Enterologia percebeu, no entanto, que há casos em que pode ser melhor usar um medicamento ou outro. No caso do tratamento de esofagite, o esomeprasol teve resultados melhores que os demais medicamentos: depois de quatro semanas de tratamento com esomeprazol de 20 miligramas, cerca de 76% dos casos de esofagite são resolvidos. O mesmo tratamento com omeprazol de 20 miligramas resulta na cura de 65% dos casos. “Não é uma diferença muito grande, e só foi percebida no tratamento para esse problema específico”, diz Amouni Mourad, assessora do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo e professora da Universidade Mackenzie.
Há, ainda, outros fatores que podem influenciar as escolhas dos médicos: “E essas escolhas nem sempre estão baseadas na ciência”, diz Daniela. Por vezes, o médico está mais habituado a receitar um certo inibidor e observar bons resultados – e, por isso, o receita a todos os pacientes. Há casos, também, em que um paciente responde melhor ao tratamento com um medicamento do que com o outro: “Nessas situações, quem tem de fazer a troca é o médico, baseado nos resultados observados”, diz Amouni.
Usar o medicamento errado pode me trazer problemas?
O omeprazol, o pantoprazol e os demais inibidores são considerados medicamentos seguros – quando usados da maneira correta, e pelo tempo determinado. O problema é que, muitas vezes, são usados desnecessariamente: “É comum a pessoa tomar omeprazol para casos de azia esporádica”, diz Amouni Mourad. “É um uso errado. Há antiácidos que são mais recomendados para casos assim, e que têm ação mais rápida.”
O uso inadequado pode ser perigoso. Ao reduzir a quantidade de ácido liberada no estômago, os inibidores de bomba de prótons interferem na absorção de nutrientes como o cálcio e a vitamina B12 – e aumentam os riscos de fraturas ósseas. Seu uso prolongado pode também facilitar a proliferação de bactérias danosas ao organismo: “Há microrganismos ruins que são eliminados pelo ph ácido do estômago”, diz Amouni. “Se você diminui a acidez por muito tempo, acaba ficando sem essa proteção.”
A questão preocupa porque o uso de omeprazol e de medicamentos semelhantes, de forma incorreta, é comum. E, por vezes, é feito sob recomendação médica. “Em parte, isso é resultado da propaganda incorreta que se faz desses produtos”, diz Daniela. “Há a impressão de que eles protegem o estômago – e podem ser tomados quando o paciente precisa usar muitos medicamentos.” É uma impressão falsa. Os inibidores diminuem a acidez do estômago, mas não o protegem. Por isso, devem ser usados com cautela. E somente sob recomendação médica.
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