Praga ameaça produção de laranja no país
‘Dragão amarelo’ já atinge 16,7% da área plantada em São Paulo e Minas
por João Sorima Neto, enviado especial
23/07/2017 4:30 / Atualizado 23/07/2017 8:36
MOGI GUAÇU (SP) – No ano em que o Ministério da Agricultura sofreu um dos seus maiores cortes de orçamento, uma praga, conhecida como greening ou “doença do grande dragão amarelo”, ataca plantações de laranja, tangerina e limão. De acordo com levantamento da Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura), 16,7% da principal área de plantio destas frutas no país, em São Paulo e Minas Gerais, já estão contaminados. Significa que das 191,7 milhões de árvores plantadas em 349 cidades dos dois estados, 32 milhões estão doentes.
O segmento de citricultura movimenta US$ 14 bilhões por ano no país, gera 200 mil empregos e despeja US$ 180 milhões em impostos nos cofres públicos.
— Em 2012, o percentual de contaminação era de 6,95%. Nos últimos anos, a doença vem avançando e chegamos a um nível elevado de contaminação — diz Antonio Juliano Ayres, gerente-geral da Fundecitrus, uma associação privada mantida pelos produtores e pela indústria da citricultura, que se tornou referência mundial em pesquisa e ações de combate à doença.
‘TIVE QUE ARRANCAR 6 MIL PÉS E REPLANTAR’
O levantamento mostrou que, em algumas áreas do estado de São Paulo, a infestação chega a 39,4% da área plantada. Por enquanto, o Brasil, maior exportador mundial de suco de laranja, continua se mantendo competitivo no mercado. Mas a preocupação com os prejuízos que o greening pode causar aumentou.
Traduzido do chinês HuangLongBing (a sigla HLB), a “doença do dragão” é mais conhecida no Brasil como greening, uma referência ao fruto doente que cai da árvore antes mesmo de amadurecer.
Não há risco ao consumidor com a doença. Numa árvore atacada, o fruto fica menor, deformado e também produz menos suco. O sabor é mais azedo e ácido. As árvores tornam-se amareladas e a vida útil do pomar, que em alguns casos chega a produzir por dez ou 20 anos, é reduzida. Se uma plantação sem a doença produz 40 toneladas de frutos por hectare, por exemplo, com a doença a produtividade cai a 25% — para dez toneladas.
— O greening é a doença mais destrutiva da citricultura no Brasil. Não há variedade comercial resistente à doença, e as plantas contaminadas não podem ser curadas, elas têm que ser cortadas — explica José Belaque Júnior, professor do departamento de Fitopatologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, que acompanha a dinâmica da doença em São Paulo e lembra que a maior incidência é nas pequenas propriedades.
O produtor Vladimir Ricardo Ivers, de 53 anos, de Mogi Guaçu, cidade a 164 quilômetros de São Paulo, foi obrigado a cortar 6 mil pés de laranja atacados pela doença. Ele detectou os primeiros sinais do greening em sua plantação em 2003, antes mesmo da doença ser declarada oficialmente existente no Brasil. As folhas das árvores começaram a ficar amareladas, mas ele não acreditou que o potencial de estrago fosse tão grave.
— O baque foi grande. A doença se alastrou e tive que arrancar 6 mil pés e replantar todos. Não acreditei no potencial destrutivo do greening, e a doença se propagou — afirma Ivers.
Atualmente, em sua fazenda Mangarito, Ivers tem plantados 200 mil pés, entre laranjas e tangerinas, nos 400 hectares da propriedade. O citricultor toma todas as medidas preventivas possíveis: faz inspeções constantes em seu pomar, pulveriza a plantação a cada dez dias com inseticidas e utiliza melhoramento genético e agricultura de precisão para ter árvores mais produtivas. Mesmo assim, a incidência do greening em sua plantação está entre 2% e 2,5%, um patamar que ele considera elevado. Na região de sua fazenda, o índice de infecção das plantações é de 39,4%.
— Deixo de produzir entre dez mil e 15 mil caixas de laranja por ano por causa da doença, mesmo tomando todas as precauções para evitar que a doença se alastre. E o custo financeiro de toda prevenção fica com o produtor — diz Ivers.
O engenheiro agrônomo Bruno Daniel, da Fundecitrus, observa que atualmente não existe incidência zero da doença, mesmo com todas as medidas possíveis para evitar que a doença se alastre. O principal trabalho é o de prevenção.
— Esta é uma doença parecida com o combate à dengue: se o vizinho não cuida do seu quintal, o inseto (psilídeo) e a bactéria levada por ele se espalham fazendo com que a doença se alastre — diz o agrônomo da Fundecitrus, que lembra que existem focos de greening até mesmo em pés de limão ou laranja plantados por famílias em seus pequenos sítios para consumo próprio.
Na Flórida, estado americano principal concorrente do Brasil na produção e exportação de laranjas, estima-se que o greening esteja presente em 90% das laranjeiras. Em função da infestação desenfreada, a produção despencou de 169,7 milhões de caixas de laranja na safra 2006/2007 para 68,5 milhões de caixas na safra 2016/2017, segundo estimativa do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA).
— No Brasil, com as medidas de prevenção, a produção continua mantendo a produtividade e a qualidade de seus pomares — diz Ayres.
MUDA CONTAMINADA TERIA TRAZIDO A DOENÇA
A doença é conhecida na Ásia, especialmente China e Índia, desde o século XIX, continente de origem das frutas cítricas. No Brasil, o greening foi identificado oficialmente pela primeira vez em 2004, na cidade paulista de Araraquara. A suspeita é que uma muda contaminada possa ter sido trazida ao país. A doença é causada por uma bactéria (a Candidatus Liberibacter), que é transmitida por um psilídeo, inseto que mede de 2 a 3 milímetros de comprimento.
— Ele transmite ou adquire as bactérias das plantas doentes quando se alimenta da seiva da árvore — diz Daniel.
A Secretaria de Agricultura de São Paulo informou que faz diversas ações de prevenção à doença, como manter um sistema de produção de mudas sadias e inspeções nas fazendas a partir de informações dadas pelos próprios produtores. Também foi criado um grupo multidisciplinar, com a participação do Ministério da Agricultura, para discutir o manejo e o controle do greening.
— Por ano, a doença vem causando, em média, a perda de 2 milhões de pés — diz Mario Sergio Tomazela, coordenador adjunto de Defesa Agropecuária da secretaria de Agricultura de São Paulo.
Procurado pelo GLOBO para falar sobre as ações contra o greening, o Ministério da Agricultura não respondeu à reportagem. O Ministério foi um dos que tiveram o maior corte de orçamento este ano: o valor caiu de R$ 2,7 bilhões para R$ 853 milhões. O corte atinge os sistemas de controle sanitário de alimentos de origem animal e vegetal, principalmente voltados à exportação, como a laranja.
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