Remédio para emagrecer: mocinho ou vilão da saúde?

Uso abusivo pode causar danos ao coração e ao cérebro

Eles não são os mocinhos, tampouco os vilões. Tudo depende da forma como você os utiliza. Mas, para aqueles que acham que na briga contra a balança vale lançar mão de qualquer artifício, o alerta é máximo: o uso abusivo de medicamentos para emagrecer pode trazer graves consequências para a saúde, provocando danos tanto no coração, quanto no sistema nervoso central.

Se você se encaixa no grupo de pessoas que costumam trocar receitas entre si, usar emagrecedores indicados por amigos ou acreditar na promessa dos milagrosos produtos que surgem na internet, sua saúde pode estar em risco. Devido aos seus inúmeros efeitos colaterais, os medicamentos que auxiliam na perda de peso são alvo de constantes polêmicas.

A mais recente delas ocorreu em junho deste ano, quando a Câmara Federal aprovou um projeto de lei que autoriza a produção, venda e consumo, sob prescrição médica, de remédios que contenham sibutramina, anfepramona, femproporex e mazindol. As substâncias haviam sido proibidas em 2011 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sob o argumento de que seu consumo pode causar problemas cardíacos. Um decreto legislativo de 2014, no entanto, suspendeu a proibição, mas desde então a agência reforçou os mecanismos de controle.

De acordo com a presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia – Regional Espírito Santo, Mariana Guerra, apesar de serem defendidos pelos especialistas por sua utilidade em tratamentos específicos, tais medicamentos são mais antigos e muito agressivos. Anfepramona, femproporex e mazindol são anfetaminas conhecidas como anorexígenos por atuarem diretamente no sistema nervoso central, inibindo a fome.

“Eles causam mais dependência química, além de aumento de pressão, insônia e agitação. Devem ser evitados por quem já tem histórico de problemas cardíacos e psicológicos.

Já a popular sibutramina pertence à classe dos antidepressivos, embora também provoque a sensação de saciedade. Ao agir no sistema nervoso, ela aumenta a concentração dos hormônios serotonina e noradrenalina.

Por isso, quanto maior o excesso de seu consumo, mais exposto o organismo fica aos picos de pressão arterial, que levam ao infarto e ao acidente vascular cerebral. A possibilidade de dependência também existe, assim como a de alterações no sono. “Ela também precisa ser evitada por quem têm refluxo”, lembra Mariana.

Na categoria dos inibidores de absorção de gordura, o Orlistate está entre os mais conhecidos. A proposta desse tipo de medicamento anti-obesidade é que parte da gordura ingerida seja eliminadas nas fezes.

No entanto, diarreias contantes levam à perda de vitaminas A, D e K, explica o nutrólogo Marcos André Dantas. “As consequências disso podem ser cegueira noturna, alterações na visão e nos ossos”, elenca.

Além disso, os danos do uso indiscriminado podem chegar ao cérebro, segundo o neurocirurgião José Augusto Lemos. “O intestino produz neurotransmissores importantes, como a serotonina. Então, quando usados de forma inadequada, os remédios podem provocar um desequilíbrio”, ressalta.

Ansiolíticos

Na luta contra a perda de peso, um dos obstáculos a serem vencidos é a ansiedade, que atinge grande parte dos pacientes obesos. Por isso, os ansiolíticos são uma opção no tratamento, mas exigem indicação e acompanhamento rigorosos. Caso contrário, os malefícios tornam-se maiores que os benefícios.

“Eles são calmantes e atuam sob o neurotransmissor gaba, que age nos hormônios. Por isso, podem causar dependência, letargia, sensação de sedação, cansaço – porque a pessoa acaba dormindo mal -, falhas na memória e depressão”, elenca Lemos. Da mesma forma, o neurocirurgião pontua que antiepiléticos – que tem como efeito secundário o emagrecimento – também são são inofensivos. “Nesse caso, os efeitos podem ser agitação, dor de cabeça e pré-disposição a cálculos renais”.

Sem medidas

Na busca por uma saída rápida para alcançar o peso ideal, não são raros os casos de abuso de medicamentos que chegam até os consultórios. “Há casos de pessoas que usam remédios para hipotireoidismo sem ter problemas na tireoide. Isso é absurdo. As pessoas possuem organismos diferentes e por isso cada um tem um tipo de reação. Somente o médico pode indicar o que é melhor e por quanto tempo os remédios devem ser usados”, destaca Mariana Guerra.

“Há pacientes que só aceita usar o fármaco que já usaram. Isso é a dependência”, alerta Marcos André Dantas. Ele destaca que os riscos de se tomar remédios aumentam quando combinados ao consumo de álcool.

Pela legislação, os fármacos só podem ser prescritos quando o paciente já está obeso ou quando ainda não chegou à obesidade, mas já possui doenças associadas ao peso. Ainda assim, Dantas pondera que eles não devem ser a primeira opção no tratamento e que o uso deve ser feito apenas até o alcance do peso almejado. Segundo ele, ao mexer na regulação dos hormônios até mesmo a libido pode ser afetada.

“As pessoas devem entender que emagrecer não é um processo rápido. Em certos casos, leva anos. Nenhum paciente deveria usar medicação, sempre tentamos primeiro trabalhar com a dieta e a prática de exercícios físicos. Se ainda assim a pessoa tiver dificuldades, incluímos o medicamento”, esclarece.

Foi justamente isso o que aconteceu com a técnica de enfermagem Raceli Antonia Venturini, 41. Há um ano e meio ela iniciou o acompanhamento com endocrinologistas após ser diagnosticada com gordura no fígado. Porém, entrar na academia e fazer dieta não resolveu o problema. A saída foi buscar auxílio na medicação. “Tomo Saxenda há três meses e passei de 92 para 72 quilos”, conta ela.

Apesar disso, Raceli sabe que a ajuda não irá durar para sempre. “O remédio tem me ajudado, mas sei que estou quase chegando ao meu objetivo e tenho que parar. Tere ique seguir só com a boa alimentação e exercícios”.

Efeito sanfona

Manter hábitos de vida saudáveis após a retirada dos remédios é justamente o que definirá o sucesso da mudança, segundo a endocrinologista da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Maria Fernanda Barca. De acordo com a médica, o efeito sanfona (de emagrecer e voltar a ganhar peso) é uma realidade para muitos que abandonam a disciplina.

“Quando se emagrece, as células de gordura não morrem, elas murcham. Dependendo da quantidade de peso, elas levam 30,40 anos para serem eliminadas. Durante esse tempo, se a pessoa não se prevenir, ela vai voltar a engordar.

Para Maria Fernanda, um dos pontos negativos dos medicamentos é falsa ilusão de facilidade que eles geram. “As pessoas tomam o remédio e vêem que não é preciso fazer quase nada para emagrecer. Com isso, elas não mudam seus hábitos e quando param com a medicação, volta tudo de novo”.

Depoimento

“Sempre me faziam mal”

Christiane Oliari, 31 anos, administradora

“Dos meus 20 até os 27 anos eu tomei diferentes medicamentos para emagrecer, sempre com a supervisão de especialistas. Mas todos sempre me fizeram muito mal. Eles aceleram o coração, provocam tremedeira e deixam a boca seca. O último que testei foi a sibutramina, que para mim foi o pior.

Como eu passava mal, eu sempre parava de tomar os remédios e o peso acabava voltando, às vezes até mais do que antes, vivenciei muito o efeito sanfona. Parece que quando você para o remédio a fome não acaba, eu tinha muita dificuldade para me controlar.

Depois da sibutramina eu decidi parar com os remédios. Aos 30 anos, eu decidi contratar um personal trainer e iniciar um planejamento alimentar com uma nutricionista. Isso aconteceu há seis meses e desde então eu já perdi 20 quilos, de 77 para 57. Passei do manequim 44 para o 36.

Descobri que vida saudável é o que há de melhor. Vale super a pena mudar os hábitos. Eu perco a vontade de comer errado porque sei que não vale a pena. Hoje me alimento muito bem, pois o saudável passou a ser gostoso para mim.

Eu tinha alguns problemas de circulação, retenção de líquidos, sentia dores nas pernas. Não conseguia usar sapatos por muito tempo. Hoje tudo melhorou.”

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