Uma injeção de esperança contra as drogas
Cientistas dão um pequeno passo em direção a vacinas que auxiliem no tratamento da dependência
The Economist, O Estado de S.Paulo
20 Agosto 2017 | 03h00
Entre 2000 e 2015, 500 mil pessoas morreram de overdose de drogas, só nos Estados Unidos. Na maior parte dos casos, as mortes foram provocadas por opioides, uma classe de analgésicos, geralmente sintéticos, relacionados com a morfina, que provocam dependência química. No último dia 8, o secretário de Saúde dos Estados Unidos, Tom Price, mencionou o possível desenvolvimento de uma vacina para prevenir a dependência. Especialistas advertiram que isso está muito longe de tornar-se realidade. Mas há pesquisas em andamento. Estudo publicado na quarta-feira, por exemplo, relata a busca por uma vacina contra a fenetilina, droga bastante popular em certas regiões do Oriente Médio.
A fenetilina é um estimulante, não um analgésico. Também não é uma substância pura, e sim o resultado da combinação de duas drogas. Um de seus componentes é a anfetamina, que é, por si, só um estimulante bastante conhecido, para o qual há um grande mercado negro. O outro é a teofilina, usada no tratamento de problemas respiratórios, como a doença pulmonar obstrutiva crônica. A fenetilina foi desenvolvida nos anos 1960, com o nome comercial de Captagon, para tratar hiperatividade em crianças, mas não é mais empregada com essa finalidade. Apesar de sua comercialização hoje ser ilegal na maior parte do mundo, ela ainda é utilizada com fins recreativos. As apreensões da droga nos países árabes representam um terço do total de anfetaminas apreendidas no mundo. Na Arábia Saudita, 75% das pessoas tratadas por problemas com drogas são dependentes de anfetaminas, na maioria dos casos sob a forma da fenetilina.
Por causa de sua natureza dupla, há um debate entre os cientistas sobre a forma como a fenetilina atua. Em vista disso, Cody Wenthur, Bin Zhou e Kim Janda, do Instituto de Pesquisas Scripps, com sede em La Jolla, na Califórnia, decidiram tentar desenvolver vacinas contra seus dois componentes, contra os produtos de sua decomposição metabólica, bem como contra a droga como um todo, em um processo que os cientistas chamaram de “vacinação incremental”.
O desenvolvimento de qualquer vacina implica estimular o sistema imunológico a reconhecer a substância contra a qual se deseja proteger o organismo. Acontece que o sistema imunológico tende a reconhecer e criar anticorpos apenas contra moléculas grandes, como as proteínas. A maioria das drogas é muito pequena para ser reconhecida. É por isso que os fumantes e usuários de cocaína não desenvolvem imunidade contra seus vícios: a nicotina e a cocaína são invisíveis para o sistema imunológico. O mesmo acontece com a anfetamina e a teofilina.
Pequeno é problema. Vacinas contra moléculas pequenas podem ser desenvolvidas por meio da combinação de versões dessas moléculas com proteínas transportadoras, a fim de criar um complexo grande o bastante para provocar uma reação imunológica. A equipe do Scripps optou pela hemocianina, proteína derivada de um caramujo chamado “keyhole lipet” Megathura crenulata, que é particularmente eficaz nesse quesito.
A ideia dos pesquisadores era a seguinte: como os anticorpos são, por si só, moléculas grandes, se o sistema imunológico pudesse ser induzido a produzir anticorpos contra os componentes da fenetilina, a combinação das moléculas da droga com os anticorpos seria grande demais para atravessar a barreira hematoencefálica — sistema de células muito próximas umas das outras, que forra os vasos sanguíneos do cérebro, a fim de impedir a entrada de coisas perigosas no órgão. Mantidas do lado de fora do cérebro, as drogas não teriam como afetá-lo.
Para realizar o experimento, os cientistas utilizaram ratos de laboratório. Injetaram diversas versões de vacinas nos roedores e acompanharam de perto seu comportamento, prestando atenção principalmente em níveis incomuns de ansiedade e padrões estranhos de movimentação. Também verificaram os níveis de presença das moléculas da droga na corrente sanguínea e no cérebro dos animais.
A utilização da abordagem incremental permitiu que a equipe de pesquisadores acompanhasse os efeitos de diferentes moléculas nos padrões de atividade dos animais. Verificou-se, por exemplo, que a teofilina presente na fenetilina amplifica o efeito da anfetamina.
Mais importante que isso porém, foi observar os efeitos da vacina contra a fenetilina como um todo. Ao receberem uma dose da droga, os ratos em que essa vacina havia sido previamente injetada exibiram expressiva redução, na comparação com os animais não vacinados, no tipo de movimentos incessantes que a fenetilina provoca. Além disso, quantidade 30 vezes maior da droga permanecia bloqueada na corrente sanguínea, em vez de penetrar o cérebro dos ratos vacinados.
É um resultado promissor. Ainda que a ideia de uma vacina preventiva, como a desejada por Price, continue muito distante, o estudo mostra que talvez seja possível desenvolver um imunizante para tratar pessoas já dependentes da droga. É bem verdade que as tentativas anteriores para desenvolver vacinas contra drogas de moléculas pequenas, incluindo metanfetamina, nicotina, cocaína e morfina, acabaram todas se mostrando infrutíferas. Mas as coisas podem ser diferentes desta vez. / TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER
© 2017 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
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