29/11/2017 21h20 Elaine Patricia Cruz – Repórter da Agência Brasil
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Fosfoetanolamina, da Assembleia Legislativa de São Paulo, ouviu hoje (29) um farmacêutico e um professor que participaram das pesquisas sobre a chamada pilula do câncer. A CPI investiga se houve falhas no estudo que concluiu que a substância não tem efeitos sobre pacientes de câncer e proibiu sua distribuição.
Nas audiências, os deputados têm ouvido pessoas que participaram de todo o processo da pesquisa, desde a síntese, encapsulamento e transporte até a distribuição da substância aos pacientes de câncer em estudo. De acordo com o presidente da CPI, deputado Roberto Massafera (PSDB), todas “as pessoas necessárias serão convocadas” a comparecer à comissão.
Os depoentes de hoje foram o pesquisador Salvador Claro Neto, professor da Universidade de São Paulo (USP), que acompanhou a produção no laboratório responsável pela síntese da fosfoetanolamina; e Roberto Jun Arai, do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp).
Claro Neto disse aos deputados que sua função na pesquisa foi sintetizar a substância para que ela fosse entregue aos pacientes participantes do estudo, o que, segundo ele, ocorreu segundo os protocolos estabelecidos. “O que saiu de dentro da empresa PDT [laboratório PDT Pharma] foi a substância com a mesma qualidade que estava sendo feita dentro da universidade [USP, onde a pílula começou a ser distribuída antes dos testes com pacientes], disse. “Todo o produto feito passava por um laudo técnico e depois era enviado”, acrescentou.
Após a audiência, o professor da USP disse a jornalistas que estranhou o fato de apenas 70 pessoas terem sido objeto do estudo, já que a previsão, segundo ele, era testar o medicamento em 200 pacientes. Outro problema, segundo Claro Neto, foi a falta de realização de farmacocinética (estudo do destino dos fármacos no organismo após sua administração). “Acredito que se deveria fazer de novo a pesquisa. Houve muitas dúvidas”, ponderou.
Já Roberto Jun Arai, gerente do Núcleo de Pesquisa do Icesp, disse que sua atuação na pesquisa se restringiu ao apoio operacional, ou seja, fornecer infraestrutura ou apoio administrativo para que ela fosse realizada. Segundo Arai, o apoio operacional obedeceu às normas. Durante depoimento, quando foi questionado se o processo deveria ser refeito, Arai disse que, se há dúvidas sobre a pesquisa, essas questões precisam ser esclarecidas. “Se há margem de dúvidas, ela precisa ser sanada. Não existem dúvidas da minha parte”.
CPI quer nova pesquisa
Segundo Massafera, o depoimento de Claro Neto comprovou que, “da fábrica, o produto saiu com qualidade”. “Agora, a partir do instante que foi encapsulado e foi dado aos pacientes, não houve o controle de qualidade, não se pegou a amostra do que foi distribuído. E isso já consideramos uma falha”, disse o presidente da CPI.
“Nosso objetivo principal é que ela [a pesquisa] seja feita de novo”, disse o deputado. “O Estado gastou dinheiro nessa pesquisa. Nossa função é fiscalizar onde o Estado aplicou o dinheiro. Se o dinheiro não foi bem aplicado, isso passa a ser problema do Ministério Público, da Justiça e de apurar responsabilidade. Nós vamos apurar se a pesquisa foi bem-feita. Se não foi, vamos querer que ela seja feita de novo”, disse Massafera.
Segundo ele, o tratamento atual para o câncer é muito caro e a liberação da fosfoetanolamina poderia baratear esses custos. “Se você fizer uma cirurgia você gasta X. Se você fizer quimioterapia, se o tratamento custa R$ 5 mil por mês, em dez meses são R$ 50 mil. Se fizer radioterapia, mais. Se fizer imunoterapia, pode-se gastar R$ 200 mil. Se eu tiver plano de saúde, ele cobre. Se você não tiver nada, o SUS [Sistema Único de Saúde] paga. Se você entrar na Justiça, juiz manda que você tenha o tratamento gratuito. A sociedade é onerada para isso. Se a fosfoetanolamina funcionar, é um tratamento barato. Estimamos que, em seis meses, fazendo o tratamento com três pílulas ao dia, vai se gastar R$ 1,2 mil [por pessoa]”, comparou.
O deputado reconheceu que a fosfoetanolamina pode não ser “a solução para tudo”,mas disse que a substância pode ser uma alternativa a mais no tratamento do câncer. “Tem pessoas que não reagem à fosfoetanolamina. Cada pessoa é um universo diferente. Mas o que queremos é que se tenha oportunidade de testar algo a mais”.
Histórico
Sintetizada há mais de 20 anos, a fosfoetanolamina foi estudada pelo professor aposentado Gilberto Orivaldo Chierice quando ele era ligado ao Grupo de Química Analítica e Tecnologia de Polímeros da USP, campus de São Carlos. Algumas pessoas passaram a usar as cápsulas contendo a substância, produzidas pelo professor, como medicamento contra o câncer.
A pílula gerou polêmica no país. Ela vinha sendo distribuída a pacientes oncológicos mesmo sem ter sido testada e comprovada por testes clínicos e sem registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A distribuição foi proibida e diversas pessoas começaram a entrar na Justiça pedindo acesso à substância. Testes clínicos em humanos então começaram a ser realizados em São Paulo para testar a eficácia da droga.
Os testes foram conduzidos pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, com acompanhamento de Chierice. Em março deste ano, o Icesp concluiu pela falta de comprovação da eficácia da substância no combate ao câncer. Segundo a pesquisa, de 73 pacientes com tumores sólidos avançados tratados com a pílula do câncer, apenas um obteve resposta parcial.
Em outubro, a CPI da Fosfoetanolamina foi instalada para apurar se houve falhas nos testes clínicos que impediram a liberação da substância.
Edição: Luana Lourenço