– 06/02/2018
Sabe aquele produto que o cliente procurou na gôndola e não encontrou? Sim, uns sabem, mas a maioria não. É que o cliente saiu, sutilmente e insatisfeito, e foi procurar outra loja. Essa falta pode representar a perda de uma venda que nunca mais será recuperada. Ou pior ainda, até a perda daquele cliente também.
A falta de produtos, tecnicamente chamada de “ruptura”, é uma forma evitável de perdas nas empresas. No entanto, ainda persiste. Não há um percentual de quanto ela representa nas perdas gerais do setor. Na 17ª avaliação de perdas, principal pesquisa nacional sobre o assunto, a Associação Brasileira de Supermercados (Abras) inclui a ruptura no grupo de “Quebras Operacionais” que somam 8,9% no total geral das causas de perdas.
Segundo pesquisa da Neogrid, consultoria especializada em ruptura no varejo, o índice de falta de produtos diminuiu no primeiro semestre de 2017. Porém, ainda está longe daquele tido como aceitável. Em janeiro, estava em 11,68% e caiu para 10% nos meses de junho, julho e agosto. Um número considerado alto, levando-se em conta que nos anos áureos do consumo no País, por volta de 2003 a 2013, a ruptura ficava na casa dos 8%. O que ainda é bastante elevado segundo o vice-presidente de Operações da Neogrid, Robson Munhoz. Para ele, esse número deveria ficar entre 2% e 3%, “porque zero é muito difícil”, mas abaixo de 5% já seria aceitável.
Carrinho abandonado
Um estudo desenvolvido pela Totvs, empresa especializada em softwares para gestão do varejo, revela um dado ainda mais danoso trazido pela ruptura. Quase 40% dos consumidores podem abandonar a compra inteira se não encontrarem algum produto que procuram. Já 32% deles trocam de loja, para adquirir aquele item, em vez de levar um produto substituto.
Hoje na indústria, mas com a expertise de quem já esteve tanto em grande indústrias quanto no setor supermercadista, Zanone Campos assegura que 80% das causas de carrinhos abandonados na loja são porque o consumidor não encontrou algum produto. “O carrinho abandonado, você pode ter certeza, é por causa da ruptura”.
Para ele, a falta de produto é o maior inimigo do supermercado e da indústria, porque ela é silenciosa e vai roubando espaços. Se a indústria deixar de entregar duas vezes, o supermercado tira aquele produto de linha e põe outro similar. “É uma perda para os três lados: o cliente que não encontra o produto; para a indústria que produz e o mercado não compra e para o supermercado que compra, mas a indústria não entrega. É o perde-perde”, disse.
Na opinião de Campos, a pior ruptura e aquela que ocorre por mais de um dia, porque o cliente pode ir num primeiro dia e, não encontrando, volta no outro dia, mas, não achando o produto, ele desiste da loja.
Fatores
Segundo Munhoz, da Neogrid, a ruptura se dá pela somatória de fatores, e alguns hábitos e ações impulsionados pela crise econômica que fizeram com que o varejo ficasse mais receoso em comprar, tentasse acertar melhor a previsão das vendas para não faltar ou não sobrar produto.
Fez também com que o consumidor mudasse seus hábitos. “Grana curta, por exemplo, levou o consumidor a comer menos fora do lar, então começa a ter a ida ao supermercado, ele está comprando mais, está mudando hábito”. A reviravolta na demanda, que o varejista não esperava pelo momento de crise, e as mudanças para produtos de menor preço trouxeram esse desajuste no estoque.
É importante ressaltar que não se trata de desabastecimento no setor, ou de falta de fornecedores, mas de problemas operacionais ou ajustes no mix. Muitas vezes, o produto está no estoque, mas não é colocado na gôndola.
Outro fator, segundo Munhoz, é a retirada do promotor de vendas da loja, porque estava vendendo menos, e sem o promotor na loja não tem a pessoa que tira o produto do estoque e coloca na gôndola. “Você tem uma ruptura de gôndola, mas o produto efetivamente está lá no estoque da loja, então tem um pouco de todas essas coisas que contribuem para esse número tão alto de ruptura acima de 10%”, detalha.
Reposição eficaz
Para o consultor em supermercados Alfredo Albiéri instrutor do curso de Reposição Eficaz de Mercadoria, oferecido pela Associação Mineira de Supermercados (AMIS), a ruptura vai além da falta de produto para um único cliente. É que este conta para um segundo que já não vai à loja, e repassa a informação para um terceiro e, de repente, espalha-se a notícia (falsa) de que o supermercado está fechando por desabastecimento.
“Ruptura constitui um grande problema, mas não é difícil resolver. Basta implementar a rotina de curva ABC de estoque e curva de demanda de produto nas gôndolas. Com isso o empresário consegue controlar a ruptura de acordo com a demanda do cliente”, informa.
Segundo ele, de uma forma geral não há um produto com mais ou com menos ruptura. Normalmente os mais controlados como padaria e açougue conseguem ter menos falta. Mas as seções puramente do autosserviço, onde o repositor passa poucas vezes, “se não houver um controle mais efetivo, uma rotina, vai haver falta de mercadoria na gôndola”.
Para Munhoz, da Neogrid, são “duas ou três coisas” relevantes para evitar rupturas, mas a principal delas é a colaboração entre o varejo e o fornecedor, seja ele a indústria ou o distribuidor. “Se o varejista faz as ações isoladas, só da sua parte, e não traz para a mesa o seu fornecedor, o erro pode ser maior. A ação colaborativa tem menos chance de errar. Então esse é um ponto”.
Busca pela solução
A Totvs vem tentando ligar os caminhos para melhorar a logística entre a indústria e varejo. A empresa possui um departamento de Supermercado e dispõe de softwares para a gestão de estoques no setor. Recentemente, publicou um guia (que pode ser baixado no site da empresa – http://totvs.com/supermercado), listando alguns pontos que, se seguidos, podem ajudar na diminuição de rupturas.
Para Zanone Campos, a ruptura pode ser evitada com o uso de software já disponíveis no mercado. “A primeira coisa é ter um programa de gestão de estoque, que dê informação diária de como está a situação, e que estabeleça um volume mínimo que a gente pode chamar de volume de segurança e não deixar acabar” opina. Outra coisa, disse ele, é o comprador acompanhar o relatório, e o vendedor fazer as visitas. Mas “tem de ter controle, incentivo e punição”.
“O grande culpado é a falta de entendimento entre os dois. O dia em que todos tiverem a consciência de que nós só temos um patrão, que é o consumidor, todo mundo vai preocupar com ele. E outra coisa: se está em linha tem que estar na loja, a indústria tem que entregar”, disse Campos. “É importante salientar que só haverá avanço no término das rupturas, quando todos, indústria, varejo e serviços, estiverem trabalhando juntos na solução dos problemas”, complementa Rodrigo Nametala, do Grupo Nonna.