Falta de medicamentos parece ser problema sem fim no ABC
Bruno Coelho
Fornecer à população condições ideais de Saúde é um direito previsto na Constituição Federal. Portanto, o acesso aos medicamentos é uma prerrogativa constitucional e prevista também no artigo 6º da lei federal 8.080 de 1990, que estabelece as diretrizes do SUS (Sistema Único de Saúde). Entretanto, assim como vários direitos são limados na prática, a aquisição de remédios nos serviços públicos também é prejudicada.
Nesse cenário, o ABC não foge à regra da distância entre o direito legal e o dia a dia de quem depende do SUS. Morador do Jardim Irene, em Santo André, Maurilio Silva, 67 anos, está há quase dois anos sem conseguir retirar o medicamento Selozok, para tratamento de arritmia cardíaca. “Até parei de verificar se tinha ou não, porque ficavam dizendo que em tal posto tinha, eu chegava lá e nada do remédio”, conta.
Silva paga R$ 45 em cada caixa de comprimido, com 30 unidades. No entanto, como ele precisa tomar duas pílulas ao dia, a despesa mensal sobe para R$ 90. O gasto seria evitado em meio a uma renda de R$ 1,5 mil por mês do munícipe, se a administração municipal garantisse o direito constitucional de acesso ao medicamento.
Prefeituras se calam
O RD questionou todas as sete prefeituras da região sobre percentual de medicamentos armazenados, quais estão mais em falta, os produtos mais solicitados pelos moradores e gastos públicos. Por parte de São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra, houve omissão de esclarecimentos à população.
A falta de transparência das administrações públicas não esconde, porém, a realidade de moradores que passam meses à espera de medicamentos. Esse é o caso da professora de História, Thaís Ribeiro, 25 anos, que precisa buscar Sertralina, Fluoxetina (ambos para depressão) e Gliclazida (tratamento de diabetes), na UBS (Unidade Básica de Saúde) da Vila Assis, em Mauá, para si própria e também para sua mãe e avó.
Com até dois meses de espera, Thaís enfim conseguiu nesta terça-feira (20) Sertralina e Fluoxetina, após ouvir várias vezes que a UBS não tinha tais produtos. No entanto, ela segue desde outubro sem Gliclazida. “Sempre falam que não têm, não chegou e não há previsão. Já tentei também nas UBSs do (Jardim) Zaíra e (Jardim) Primavera. E quando falta, a gente gasta com Sertralina até R$ 60 e o Gliclazida fica em R$ 30”, relata.
Moradora do Parque Aliança, em Ribeirão Pires, a aposentada Encarnação Beltran Martines, 72 anos, também está com problemas para retirar medicamentos no município. A munícipe é usuária de Carvedilol (tratamento de insuficiência cardíaca), Somalgin (anticoagulante), Cloridrato de Propafenona (antiarrítmico), Sinvastatina (para colesterol), Levotiroxina Sódica (para tiroide) e Hidroclorotiazida (para a pressão).
Encarnação recebe de aposentadoria R$ 954 mensais e, por conta da insuficiência do poder público, gasta em média R$ 150 para comprar os remédios do próprio bolso. “Tento retirar os medicamentos há mais de seis meses na UBS Centro ou na da Vila Suíssa, mas nunca têm. Então todo mês já tenho que reservar parte do dinheiro só para os remédios”, lamenta.
A situação de auxiliar de enfermagem Milena Ardenghe, 35 anos, também é grave. Após ter um tromboembolismo pulmonar, em fevereiro de 2017, seu pneumologista receitou o Xarelto, por ser o medicamento mais seguro para seu tratamento. No entanto, ao tentar obtê-lo no Centro Policlínico Gentil Rstom, no bairro Nova Gerty, São Caetano, foi informada que esse produto não é fornecido, exceto por ação judicial.
Milena conta que recebeu a sugestão na unidade para tomar outro medicamento, porém, seu médico não autoriza a troca. “Esse é o único medicamento com total eficácia, não posso simplesmente trocar porque o posto não fornece”, diz.
Com o desconto do laboratório, Milena paga R$ 211 na caixa do medicamento, que dura em média 28 dias. O remédio compromete 19% de sua renda mensal de R$ 1,1 mil. A moradora cogita entrar com uma ação judicial contra a Prefeitura de São Caetano para ter acesso ao medicamento.
Santo André amplia abastecimento
O governo do prefeito de Santo André, Paulo Serra (PSDB), garante que a rede municipal de Saúde já conta com 90% dos medicamentos abastecidos. No início do ano passado, o índice apontado pela administração municipal estava em 25%, com agravamento no estoque de psicotrópicos, em percentual de 10%. O motivo para o cenário crítico era os atrasos de pagamentos a fornecedores.
De acordo com a Prefeitura de Santo André, houve o pagamento de aproximadamente R$ 7 milhões em débitos atrasados com as distribuidoras. Dessa forma, o governo diz ter uma situação regularizada nos postos de saúde, exceto por “algumas faltas pontuais de medicamentos”, cenário, que segundo nota, não ocorre constantemente para moradores dependentes do sistema público.
Entre as razões para consideradas para “eventuais” ausências de determinados remédios no estoque são burocracia legal e o fato do Brasil ser dependente do mercado externo para aquisição de farmoquímicos (matéria-prima básica para a produção de medicamentos). A Coordenadoria Municipal de Assistência Farmacêutica adquire cerca de 500 tipos de medicamentos para rede municipal e atendimentos de demandas judiciais.
São Bernardo
A Prefeitura de São Bernardo informa que os medicamentos mais solicitados são Losartan (hipertensão arterial), Sinvastatina (doenças cardiovasculares), Omeprazol (usado contra problemas estomacais como acidez e gastrite) Hidroclorotiazida (tratamento da pressão alta) e Metformina (antidiabético). O governo, porém, não informou o percentual de armazenamento de produtos para rede municipal.
O valor gasto pela administração ao serviço de medicamentos é de R$ 39 milhões anuais, para materiais hospitalares, insumos para diabetes e medicamentos de ação judicial. (Colaborou Amanda Lemos)