Chega de embalagens. Vendas a granel estão de volta ao varejo

São Paulo, 11 de Maio de 2017 às 08:00 por Mariana Missiaggia

Lojas especializadas ganham espaço, enquanto supermercados aumentam a oferta de alimentos por quilo com o apelo "direto da roça"

Estamos longe ainda de nos tornarmos uma Berlim ou Paris, onde já funcionam supermercados 100% sem embalagens. Mas tudo indica que o país avança na mudança de comportamento em relação ao uso de descartáveis.

À medida que o consumo de castanhas, sementes e farinhas ganhou força na rotina dos brasileiros, a tendência de levar à mesa alimentos mais frescos e naturais impulsionou um tipo de venda muito comum até a década de 1980: a granel.

Isso porque quem sai em busca desses itens nas prateleiras dos supermercados se depara com embalagens de no mínimo 500 gramas, com maior índice de conservantes, data de validade estendida e preços bem mais salgados.

Pelo menos, essa é a constatação de quem entende do assunto. Galena Goulart, 47 anos, é proprietária da Rei dos Grãos, em Moema, uma loja com mais de 600 itens vendidos a granel.

Aberto há um ano e meio, o negócio foi criado com base na experiência da própria empresária, que tinha muita dificuldade de encontrar todo o sortimento que desejava em uma única loja.

Galena percebeu que conseguia comprar farinhas em um lugar, castanhas em outro, e ainda recorria a um terceiro para frutas e suplementos. “Queria dar fim a essa peregrinação”.

Durante um ano, ela procurou um imóvel, no qual pudesse dar destaque à ilha de produtos vendidos por quilo. Farinhas, frutas desidratadas, e até preparos para feijoada vegana, risoto e yakisoba são vendidos de acordo com a necessidade de cada cliente.

E é exatamente nessa característica que reside o maior interesse do brasileiro por esse tipo de compra, de acordo com Antônio Sá, professor de varejo na FAAP.

O acesso a alimentos frescos que causem a sensação de “direto da roça” – e na quantidade desejada – é o que mais atrai o brasileiro para esse tipo de estabelecimento, afirma o especialista. A queda na renda e o aumento do desemprego são outros aspectos que compõem esse cenário.

Sá explica que embora não existam estatísticas que comprovem, esse comportamento também vem se repetindo na compra de produtos de limpeza.

Sem certificação e sem aquelas embalagens especiais, podem custar até a metade do preço se comprados por litro – uma opção para o consumidor que está vivenciando os efeitos da crise.

Além disso, há ainda uma pequena parcela da população preocupada com o impacto da quantidade de embalagens no meio ambiente, aponta Sá.

Dados do Ministério do Meio Ambiente mostram que cerca de um terço do lixo doméstico gerado pelos brasileiros é composto por embalagens. Do total, 80% são descartadas depois de serem usadas apenas uma vez.

Alertado por essa pesquisa, o Pão de Açúcar implantou a campanha "Reutilizar" em algumas de suas lojas a fim de apoiar e realizar ações em defesa do meio ambiente.

Como parte do programa, a rede varejista desenvolveu uma espécie de carrinho com depósitos gravitacionais, que funcionam no sistema First In, First Out, ou seja, os itens que entram primeiro saem primeiro, para garantir a qualidade e o frescor dos 60 itens disponíveis, como chás, chocolates e pimentas.

Os colaboradores de cada loja foram treinados para operar o equipamento e ajudar os clientes na escolha e quantidade dos produtos.

Para aqueles que desejarem, também é possível utilizar uma embalagem levada de casa ou adquirir um vidro reutilizável que pode ser comprado na própria loja.

Embora a novidade seja vista com bons olhos pelos consumidores e acompanhe uma tendência mundial, trata-se de uma decisão delicada e difícil para a maioria das redes de supermercados, na opinião de Antônio Sá.

O especialista em varejo explica que tal modificação implica numa reformulação de operação, justamente, uma das maiores preocupações do varejo. Isso porque a venda a granel demanda manutenção, rotatividade, higiene, segurança, além de funcionários dedicados exclusivamento a isso. "A grande briga do varejo é ter a operação mais barata possível", diz.

Em Berlim, o Original Unverpackt é um supermercado 100% livre de embalagens plásticas e fundado em 2004 com a proposta de liquidar desde as bandejinhas de isopor aos frascos de xampu.

Tudo o que é vendido no supermercado aberto pelas sócias Sara Wolf e Milena Glimbovski é envazado em potes reciclados dos próprios consumidores, que escolhem a quantidade de produtos que querem.

A ideia é simplificar o processo de compra ao máximo, minimizando custos, desperdícios e processos – muito similar aos mini-mercados ou armazéns de antigamente, onde tudo era disposto em sacos abertos de arroz ou em grandes tulhas.

Os empresários Marco Antônio Nogueira e Uiatã Rocha Pires resgataram o conceito de um jeito diferente com a abertura da Oil & Vinegar Brasil, uma franquia holandesa.

Nas lojas de Campinas e Porto Alegre, é possível avistar de longe a vitrine da loja com grandes frascos de vidro. São diferentes cores e sabores de azeites, vinagres, massas e conservas – todos vendidos a granel.

O funcionamento é o mesmo. Quem quiser pode usar seu próprio frasco ou escolher entre as dezenas de opções de vidros vendidos pela própria marca, que são de diversos volumes e formatos, com opções verdes e transparentes.

Além disso, há também ânforas, barris e canecos de aço inox, pipetas de vidro e até uma embalagem econômica, um sachê de plástico – todos importados.

Ali, a quantidade mínima para compra de azeites, vinagres e óleos é de 50 ml, podendo chegar até a três litros. São mais de 30 opções de itens a granel, que variam de R$ 29,95 até R$ 80,95 a cada 100ml.

Por hábito, modismo ou ideologia, a compra de alimentos a granel está voltando com força e ganhando adeptos, especialmente no setor de produtos naturais. Na Itália, o Carrefour implantou recentemente um modelo de venda nessa modalidade.

“As coisas vão e voltam. Houve um tempo em que consumíamos orgânicos, mas para ganhar escala fomos para os agrotóxicos. Agora, estamos fazendo o caminho inverso", diz.

"Antigamente, o varejo era basciamente feito na feira, a pé. Mas, para proteger os alimentos, embelezar e atestar qualidade, críamos uma enorme indústria de embalagens e levamos mais lixo do que alimento para casa".

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