Cresce oferta de ‘papinhas gourmet’ que remetem à comida da mamãe

Acompanhamento nutricional a partir dos 6 meses de vida ajuda a desenvolver alimentação saudável

por Celina Machado, especial para O GLOBO
14/05/2017 4:30

RIO — Legumes e verduras orgânicos, sal rosa e frutas frescas são apenas alguns dos ingredientes das novas papinhas comercializadas para crianças. Depois dos 6 meses de vida — quando a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde é o aleitamento materno exclusivo —, só cresce a oferta de versões gourmet para a alimentação dos pequenos. E segundo a nutricionista Débora Marques, mães e pais buscam cada vez mais acompanhamento nutricional para os filhos nessa fase, o que alimenta esse mercado.

— Muitos pais trabalham fora e têm dificuldade em organizar uma alimentação variada e equilibrada. Vimos surgir um mercado de papinhas, uma verdadeira “gastronomia para lactentes” — comenta.

O pediatra Marcus Renato de Carvalho, professor da UFRJ e coordenador de especialização em saúde materno-infantil, salienta que é nessa fase que a criança forma seu paladar, e pode levar bons hábitos cultivados desde cedo pelo resto da vida.

— Estudos mostram que uma alimentação saudável nos dois primeiros anos é capaz de prevenir doenças crônicas na vida adulta, como obesidade, diabetes e hipertensão — explica ele.

MERCADO EM EXPANSÃO

A maioria das marcas de papinha hoje no mercado começou com o nascimento dos filhos de seus fundadores e a constatação de que havia essa necessidade no mercado. Foi exatamente o que aconteceu com Karin Paciulo, mãe de Maria Lorena, de 4 anos e Maria Luisa, de 2 anos, proprietária da 2Marias Comidinhas Orgânicas.

— Estamos crescendo em número de pontos de venda, com distribuição em vários estados e acabamos de iniciar um projeto de lancheira com uma escola em São Paulo — conta.

Mais antiga, a Empório da Papinha começou em 2008 e, segundo seu sócio-diretor, Rafael Mendonça, o aumento de vendas entre 2015 e 2016 foi de 62%. Para o empresário, as mães preferem pagar mais para garantir que os filhos tenham acesso à qualidade.

— Nossa comida é feita com ingredientes orgânicos, sem aditivo ou conservante e transportada em embalagem livre de bisfenol — garante a nutricionista Gislaine Donelli, da Empório de Papinha.

No Rio e em Niterói, a Papinha Saudável Delivery, do casal Tatiana e Leandro Borba, o segredo está no tempero caseiro:

— Fazemos papinhas só com o sabor dos alimentos e colocamos o mínimo de sal nas comidinhas indicadas para crianças a partir de 1 ano. No mais, é cebola, alho e a gordura é azeite, que acrescentamos depois de feito o refogado, direto na panela — diz a nutricionista Tatiana.

Outra empresa que começou em casa é a Gourtmetzinho, do chef Amílcar Azevedo e sua mulher, Karol.

— Produzimos seis toneladas de alimentos por mês. Começamos num espaço de 20 metros quadrados, que seis meses depois já estava 15 vezes maior. O Amílcar faz uma comida saudável, aprovada por nutricionistas, pediatras, sem conservantes e saborosa — afirma Karol, acrescentando que a empresa tem o selo SisOrg (Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica) do Ministério da Agricultura.

Como deve ser a alimentação do bebê

Até os 6 meses de idade, somente leite materno.
A partir do 6º mês, introduzir água, qualquer fruta, ovo (clara e gema), alimentos com glúten como macarrão, carnes (inclusive de peixe e porco) e vísceras (fígado, por exemplo).

Fonte: Nutricionista Alice Carvalhais, especializada em alimentação infantil

Como deve ser a alimentação do bebê

Até os 6 meses de idade, somente leite materno. A partir do 6º mês, introduzir água, qualquer fruta, ovo (clara e gema), alimentos com glúten como macarrão, carnes (inclusive de peixe e porco) e vísceras (fígado, por exemplo).

Fonte: Nutricionista Alice Carvalhais, especializada em alimentação infantil

O mercado de “alimentos de transição” para bebês e crianças de primeira infância é bem regulamentado e a líder, Nestlé, informa que segue rigorosamente todas as portarias, tem os registros, certificações, passa por auditorias.

— Nenhuma Papinha Nestlé possui conservantes, corantes ou estabilizantes — diz Fernanda Syuffi, da coordenação de marketing da Baby Foods.

Isso é possível por causa da tecnologia de fechamento a vácuo e do tratamento térmico de esterilização, que elimina bactérias e garante a validade de um ano na prateleira. E a marca também aderiu aos consensos do setor e informa que não adiciona sal nas papinhas das etapas 1 e 2 (para bebês a partir do sexto mês) e inclui pequena quantidade a começar da etapa 3 (a partir do oitavo mês).

Dentre os tipos de introdução alimentar hoje presentes, está o método BLW (Baby Led Weaning, algo como desmame guiado do bebê), uma nova forma de apresentar os alimentos sólidos, uma técnica na qual você não fica oferecendo com a colher, coloca no prato e a criança pega os alimentos com a mão.

— O objetivo é que a criança explore, conheça as diferentes texturas, cheiros e gostos — explica Marcus Renato, adepto de não forçar a criança a comer, nem estimular com “aviãozinho”. — Já vi mãe com o celular e a criança assistindo a “Galinha Pintadinha”: o bebê abre a boca e ela enfia a comida. Não pode ser assim.

Segundo o pediatra, essa é uma fase de risco nutricional, porque a criança tem uma necessidade muito grande de nutrientes e o crescimento muito acelerado.

— Sozinha, a criança pode não ter ainda o desenvolvimento motor necessário para pegar a comida e colocar na boca, e pode ficar sem suprir suas necessidades nutricionais — explica.

E para quem enfrenta dificuldades com uma criança resistente a um bom prato, uma dica: até os 2 ou 3 anos, bebês saudáveis comem tudo o que é oferecido, mas é preciso tentar de oito a dez vezes até considerar que a criança não gosta de um alimento.

— Às vezes é só uma questão de coordenar a deglutição. A criança vem do aleitamento, peito ou mamadeira, tem uma maneira de sugar. Quando é apresentada à colher, é diferente — assinala a nutricionista Débora Marques.

Na casa da Ana Paula Edelman da Luz, a pequena Maitê, de 11 meses, vomitou uma banana inteira na primeira vez que provou a fruta.

— No dia seguinte dei de novo e ela quase não comeu, mas insisti — relata a mãe. — Quando retornei ao trabalho e já era hora de começar com as proteínas, passei a dar as “papinhas naturais”, que compro prontas e me salvaram. Hoje, Maitê almoça na creche e Ana Paula manda o lanche da manhã e o da tarde:

— Compro as frutas, faço misturas como inhame com manga, banana com abacate e congelo. Não quero que ofereçam biscoito ou suco de caixinha — diz.

Para a pediatra Fabíola Suano, professora do serviço de Nutrologia das Faculdades de Medicina das Universidades do ABC e Federal de São Paulo (Unifesp), a preocupação dos pais também deve estar voltada para cozinhar. Um novo estudo realizado no Canadá e publicado em março pelo “Internacional Journal of Obesity Advance” concluiu que há uma importante associação entre a comida “de casa”, a diversidade alimentar no primeiro ano de vida e o acúmulo de gordura no corpo. Os pesquisadores acompanharam 132 lactentes que recebiam alimentação complementar e as avaliaram aos 3, 6, 9, 12 e 36 meses de vida, tendo observadas a quantidade de massa gorda e de massa magra dentro do seu peso total. Ao final, a quantidade de nutrientes que os bebês ingeriram não mudou muito, mas o grupo que recebeu papinha “de casa” ficou menos gordinho que o que recebeu a papinha comercial.

— A criança vê os pais na cozinha, sente o cheiro, a comida não fica nunca igual. O bebê precisa ter no seu prato características que são únicas de cada família, fazem parte da cultura daquela casa — explica. — Ninguém precisa ficar escravo, mas, quando chega uma criança, da mesma maneira que os pais se preparam para dar banho, trocar fralda, é preciso que tenham um olhar para a alimentação a ser feita em casa. Isso vai ser uma vez por semana? Já é um passo inicial para não perder a sua marca, uma herança que passa de geração para geração e que precisa ser praticada. Não precisa fazer nada complicado, pode ser uma comida simples.

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