“Guerra ao açúcar” ganha força no mundo e afeta demanda

LONDRES/NOVA YORK – A "guerra ao açúcar" realizada por governos e consumidores para combater problemas de saúde pública como a diabetes está desacelerando o crescimento na demanda global, o que, junto a outros fatores, pode sinalizar uma mudança fundamental no consumo à frente.

O consumo pode crescer no ritmo mais lento em sete anos no ciclo 2017/18, segundo o grupo de análise Platts Kingsman. O grupo prevê alta de 1,04 por cento, quase metade do crescimento médio de cerca de 2 por cento ao ano ao longo da última década.

"O consumo está no geral estagnando em países desenvolvidos", disse Tom McNeill, diretor no grupo de análise de commodities Green Pool, à Reuters.

A queda no consumo em mercados mais conscientes sobre questões de saúde tem sido exacerbada por preços mais altos e pelo uso de produtos alternativos, como xarope de milho rico em frutose, em países em desenvolvimento, que levaram a um déficit anteriormente.

Combinado à demanda mais fraca de fabricantes de alimentos e bebidas globalmente, isso poderia representar uma mudança fundamental no consumo global, segundo a Tropical Research Services (TRS).

"Então pode ser que a verdadeira taxa de tendência de longo prazo do crescimento da demanda global por açúcar tenha mudado e esteja mais baixa agora", disse o grupo em relatório de 7 de maio.

Ao menos 17 países e uma série de cidades dos Estados Unidos adicionaram um imposto extra sobre bebidas adoçadas. Outros 11 países estão implementando ou avaliando taxas similares.

Muitos estão indo além: a França aliou o imposto a medidas como a proibição de máquinas de vendas automáticas em escolas. No ano passado, o Chile introduziu rótulos pretos de alerta em alimentos com alto nível de açúcar, sal e gordura.

O México é outro exemplo. Com um em cada três adultos afetados por obesidade, o país implementou em 2014 um imposto sobre refrigerantes adoçados.

"Há um crescente entendimento sobre a necessidade de controlar a ingestão de açúcares… em políticas públicas e na cultura em geral", disse Francesco Branca, diretor de nutrição para saúde e desenvolvimento da Organização Mundial da Saúde (OMS).

"Com a obesidade e a diabetes se espalhando muito rápido, estão tentando fazer algo sobre isso desde cedo."

A queda no ritmo do crescimento global está somando a preocupações de que o mercado mundial de açúcar está a caminho de um excedente em 2017/18, após dois déficits consecutivos.

Isso também poderia limitar planos ambiciosos da União Europeia de aumentar acentuadamente a produção em 2017/18 em um esforço para voltar a ser um exportador líquido, após encerrar subsídios e limites sobre exportações em outubro.

ÍNDIA, CHINA E BRASIL

Países de alta renda como a Noruega e o Canadá já estão vendo um declínio no consumo de açúcar, segundo dados da Euromonitor. Agora o apetite de mercados emergentes, cujo rápido crescimento populacional deveria ajudar a puxar o crescimento futuro, também está diminuindo.

As vendas de açúcar da Índia, maior consumidor mundial, deverão cair em 1 milhão de toneladas nesta safra, estima a Associação Indiana de Usinas de Açúcar (ISMA, na sigla em inglês), devido a preços domésticos mais altos, entre outros fatores econômicos.

A decisão do governo mais cedo neste ano de abolir um subsídio de açúcar para famílias pobres também reduziu o consumo.

A ISMA espera que o consumo se recupere no próximo ano, com a produção no país se normalizando e os preços domésticos caindo, mas analistas dizem que o crescimento de longo prazo continua incerto, uma vez que o governo poderá cobrar taxas mais altas e exigir rotulagem mais rígida em comidas açucaradas.

"Se a Índia também entrar com um imposto do tipo, sendo o maior consumidor mundial de açúcar, isso poderia ser sentido no crescimento global", disse Stefan Uhlenbrock, analista sênior da F.O. Licht.

A demanda por açúcar também parece estar estagnando na China, segundo maior consumidor global, à medida que adoçantes mais baratos, como xarope de milho rico em frutose, ficam mais populares.

Produtores chineses de cana-de-açúcar e beterraba dependem do apoio estatal para compensar os altos custos de produção. As importações, enquanto isso, estão sujeitas a impostos elevados pensados para proteger a indústria, com uma tarifa adicional sendo introduzida nesta semana.

Como resultado, os preços domésticos do açúcar estão quase o dobro dos preços globais. Isso, somado a uma abundância de milho barato, tornou o xarope de milho rico em frutose altamente competitivo.

O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA, na sigla em inglês) ressaltou o declínio na demanda chinesa por açúcar no mês passado quando reduziu suas estimativas para o consumo do país em 2015/16 e 2016/17 em 10 por cento e sinalizou crescimento mais modesto do que esperado anteriormente.

"As pessoas na China ainda estão tomando sorvete e refrigerantes", disse John Stansfield, analista da operadora de commodities Group Sopex. "É só o fato de que esses produtos agora estão sendo feitos cada vez mais com xarope de milho do que açúcar."

O Brasil, terceiro maior consumidor mundial, também viu uma desaceleração no crescimento da demanda ao longo dos três últimos anos, uma vez que uma duradoura recessão reduziu a renda de muitos brasileiros. O consumo estava crescendo entre 2 e 3 por cento na década anterior.

(Por Ana Ionova e Chris Prentice)

Reuters

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