Mercados Públicos resistem, apesar de novos concorrentes
Permissionários, com mais de 20 anos de trabalho, reclamam da falta de novo público, mesmo com a importância cultural dos equipamentos para a história da cidade
As estruturas metálicas desgastadas e cobertas por tinta para disfarçar os efeitos do tempo contam a história de quem vive nos boxes do Mercado São Sebastião e do Mercado Central. Os equipamentos continuam vivos para os fortalezenses, mas os comerciantes sentem um vazio criado com a construção de novos prédios comerciais, supermercados e shoppings. Raízes, ervas, panelas de pressão, vasos de barro, rendas, frutas e verduras dividem espaço com pen drives, caixas de som, brinquedos para crianças entre outros itens eletrônicos. A típica panelada, a buchada, o sarrabulho e a língua de boi têm concorrência com restaurantes e lanchonetes.
A vida dos mercados públicos de Fortaleza pode ser relembrada em diferentes partes do Centro. Um dos equipamentos mais famosos foi o Mercado de Ferro, em 1897. Historiadores contam que, meses depois da inauguração, ele foi encerrado pela precariedade. As armações metálicas foram desmembradas: uma parte da estrutura importada foi para o bairro Aldeota, no que é hoje o Mercado dos Pinhões. A outra parte foi para a Praça Paula Pessoa, no Mercado São Sebastião.
Com 213 anos resistindo em diferentes prédios, o Mercado Central, localizado atualmente na Av. Alberto Nepomuceno, abriga 553 boxes, distribuídos em cinco pavimentos, sendo um deles destinado a estacionamentos. Segundo a Secretaria Municipal de Turismo de Fortaleza (Setfor), a média diária do local na baixa estação é de 1.500 a 2.000 pessoas, já aos sábados e feriados, o Mercado chega a receber até 5 mil pessoas por dia.
O vendedor de redes Francisco Dennys Bastos, 54, trabalha há 20 anos no Mercado Central. Ele afirma que o tempo tem sido generoso com as vendas, mas sente falta de um movimento maior de turistas e até mesmo dos fortalezenses. O presidente da Associação dos Lojistas do Mercado Central (Almec), o empresário José Aquino Paulino, traça o perfil do usuário do equipamento ainda como sendo o do turista. "Recebemos famílias jovens na maioria da região Sul e Sudeste do País. As redes e os bordados são os itens mais procurados nos boxes".
Direto do Sul, a gaúcha Carla Brasil, 32, com bochechas rosadas pelo forte sol tomado nas Praias cearenses, veio a Fortaleza com intuito de participar de um congresso de saúde e visitou o Mercado Central pela primeira vez. "Eu já tinha vindo com amigos um ano atrás no Centro. O artesanato é o que mais chama minha atenção". A amiga de Carla, a engenheira Marcela Soqueta, 28, conta que no Sul não existem tantos mercados . "Faz falta espaços assim. Eles contam a história da cidade e o que o povo fez para crescer", ressalta.
Da metrópole São Paulo, Eliane Ghiraldi escolheu a Capital cearense como a primeira cidade do Nordeste a ser visitada. "A gente escutou muita informação boa sobre Fortaleza. Lá em São Paulo, o mercado é o cartão postal da cidade. As pessoas têm o hábito de ir na semana. Não é apenas um local de passagem. Aqui eu vejo que é mais frequentado por turistas".
Diferenças
Situado na Rua General Clarindo de Queiroz, o Mercado São Sebastião, com 121 anos, tem um perfil diferente de usuário do Mercado Central. Frequentado por donas de casa e cozinheiros, o espaço é conhecido por produtos frescos e de qualidade. Os dedos que apertam as verduras nos boxes são de fortalezenses que também comem a buchada, o sarapatel e a panelada. As amigas aposentadas Lucy de Sousa Ramos, 82, e Helena Sampaio, 73, são usuárias assíduas. Após as aulas no Serviço Social do Comércio (Sesc) elas almoçam juntas no Mercado. "A comida aqui tem gosto de casa, além de nos fazer lembrar dos tempos em que a gente vinha com os nossos familiares. Você já viu alguém passar mal comendo aqui? Não existe", diz Helena.
O descendente de alemão José Vilde Adriano, conhecido por "Louro da Palha", trabalha há 30 anos no mercado. O comerciante vende de argila a fumo em rolo. Ele conta que quem utiliza o Mercado São Sebastião é um público fiel que mora no entorno do prédio. "Temos clientes fixos com mais de 10 anos de mercado. Sentimos falta de gente nova", ressalta. Em casa, o filho de Vilde se prepara para assumir o posto do pai. O jovem estuda administração. "Eu quero que ela continue nossa história".
"Em meio ao avanço de prédios comerciais e estabelecimentos alimentícios, o desafio do poder público com os mercados é o de criar mecanismos que possam garantir a sobrevivência do hábito de ir ao mercado público". É o que analisa a professora da Faculdade de Economia, Administração, Atuária e Contabilidade da Universidade Federal do Ceará (UFC), a doutora em sociologia Lara Capelo. "O fortalezense tem a cultura de achar que existem lugares que são só para turistas". Segundo Capelo, a ausência de novo público sentido pelos permissionários se soma à falta de políticas públicas culturais de integração dos dois equipamentos. "É preciso que se preserve as tradições. Ali é o começo da cidade. Quem vem de fora precisa de um ponto referencial por onde a cidade começou. Sem falar na relação afetiva criada por quem trabalha no entorno", analisa.
Preservação
Sobre a atuação da Prefeitura de Fortaleza nos mercados municipais, algumas medidas devem ser tomadas pelo poder público nos próximos meses é o que afirmam os secretários de Turismo e da Regional do Centro. O titular da pasta de Turismo, Alexandre Pereira, afirma que está articulando o projeto "Rota dos Mercados", além do reforço das estruturas metálicas dos dois equipamentos. A intenção é que a partir do segundo semestre deste ano, um ônibus panorâmico, nos moldes dos utilizados na cidade de Londres, faça um roteiro percorrendo os dois mercados.
Outra medida que está sendo articulada por uma consultoria paulista do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) é a capacitação dos permissionários. "Um equipe vai capacitar os donos de boxes com cursos de higienização e atendimento ao público. A ideia é que eles se atualizem, mas permaneçam com suas raízes", destaca Pereira. O gestor ressalta que os profissionais são os mesmos que fizeram a capacitação dos comerciantes do Mercado Municipal de São Paulo.
Já no Mercado São Sebastião, de acordo com o titular da Pasta do Centro, Adail Fontenele, uma capacitação foi feita com 28 permissionários e outros 60 donos de boxes devem receber o mesmo curso nos próximos meses. A estrutura da área interna do prédio também vai ser reforçada.
Entrevista com Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez)*
*Jornalista e memorialista
Prédios são esquecidos por parte da juventude
Como você avalia a estrutura dos Mercados?
Eu acho que o poder público tem grande responsabilidade pela morte de um mercado central principal. Antes, tínhamos um no prédio onde funciona hoje no Banco do Nordeste (BNB). Abrem um outro prédio como o mesmo nome, sem ter as mesmas funções. Passou a ser mais um centro de artesanato competindo com os centros culturais. Não temos a rigor um mercado central como em toda Capital.
Os jovens estão esquecendo dos mercados públicos?
Se você for perguntar a um jovem o que funciona no Mercado São Sebastião, ele vai dizer que é uma feira de artesanato. É preciso fazer uma preservação da identidade desses espaços. A cultura dos shoppings pegou no fortalezense. O avanço da economia também esvaziou esses espaços. Para a juventude, é mais fácil ir no supermercado do que se deslocar ao mercados populares.
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