O que a Coca-Cola quer no negócio do leite?
No setor de bebidas não alcoólicas, lácteos são a última grande fronteira que começa a ser desbravada pela Coca-Cola no Brasil
Hamilton Bruschz/Gazeta do Povo 03/12/2017 | 19h25 | Marcos Tosi
De uma empresa que até o final dos anos 90 vivia na monocultura dos refrigerantes, a Coca-Cola se transformou numa especialista em todo tipo de bebida não alcoólica no país – da água ao café, dos chás aos néctares, passando pela proteína vegetal, sucos e bebidas esportivas. Hoje, produz 152 produtos entre sabores regulares e versões zero ou de baixa caloria.
Curiosamente o leite de vaca, uma bebida ancestral da humanidade, foi a última fronteira conquistada no Brasil, em abril deste ano, quando a multinacional comprou a Verde Campo, um laticínio de Lavras, Minas Gerais. A Verde Campo vinha se destacando com a marca Lacfree, a primeira a oferecer produtos com zero lactose no país, no início da década.
“Somos pato novo no lácteo, ainda fazemos mais perguntas do que respondemos”, disse o diretor de Negócios Emergentes da empresa no Brasil, Egon Barbosa, durante palestra no encontro internacional Dairy Vision, em Curitiba, na última semana. Modéstia à parte, o executivo da Coca-Cola sabe bem onde a empresa quer chegar ao entrar numa cadeia produtiva que faz girar 35 bilhões de litros de leite por ano e mobiliza cerca de um milhão de produtores. “Para todo lado, a gente só vê oportunidade. Os produtos lácteos têm características culturais fortes, conforme cada região do país. O desafio é capturar valor para cada mercado em que a gente atua”, destaca.
Marcos Tosi/Gazeta do Povo Egon Barbosa, diretor de Negócios Emergentes da Coca-Cola no Brasil
Confira a entrevista de Egon Barbosa, concedida durante o Dairy Vision.
– Porque o leite é um bom negócio para a Coca-Cola?
O leite é um bom negócio não só para a Coca-Cola, mas, primeiramente, é um bom negócio para as pessoas. Leite é uma categoria de altíssimo valor nutritivo, totalmente natural, e que efetivamente tem contribuições para o bem-estar das pessoas.
A Coca cola tem visão e posicionamento de ser uma companhia total de bebidas, que visa o bem-estar de seu consumidor.
A gente não tinha em nosso portfolio, até há pouco tempo, nem café nem leite. Resolvemos entrar nessas duas categorias justamente para capturar um valor de mercado, um incremento de negócio, mas, principalmente, para levar ao consumidor um portfolio completo, incluindo lácteo, que é absolutamente benéfico para o ser humano.
– E a cadeia do leite tem espaço para inovações?
Sem dúvida. O que acontece no Brasil é que a maioria das inovações ainda são incrementais. Existe espaço para inovações mais disruptivas do mercado. Queremos que mercado lácteo dê um salto de valor.
– Que mentalidade a Coca-Cola traz para o leite?
A Coca-Cola traz fortemente o tema de nutrição a partir do leite. Cada vez mais o mundo tem déficit nutricional. A responsabilidade de quem efetivamente chega em massa à mesa das pessoas é levar toda uma gama de produtos que promovam o bem-estar. Esse é o foco. O nosso posicionamento mundial agora se chama Beverages for Life, então, nossa missão é oferecer bebidas para que a vida de todo mundo seja cada vez melhor.
– Vocês já identificaram segmentos em que é possível crescer?
A maior ocasião do lácteo está no café da manhã, mas é um paradigma que pode ser quebrado. Você tem outras ocasiões de consumo ao longo do dia que uma série de produtos lácteos pode atender. E talvez atender melhor que categorias que já existem hoje. De forma mais saudável, mais sustentável. Durante o trabalho, por exemplo, nas suas pausas você pode consumir um natural whey protein (extraído do soro do leite), para te dar efetivamente um boost de energia, para ativar a mente e tudo mais. Se a gente mapear todos esses momentos de consumo ao longo do dia, o leite como ingrediente pode ter uma contribuição efetiva, há bastante oportunidade para crescer.
– Como é possível driblar a resistência que alguns apregoam hoje, dizendo que os seres humanos não foram feitos para consumir leite de vaca?
Seja um comportamento de nicho ou não, qualquer coisa que o consumidor verbalize e que sinta é importante e a gente tem que considerar. Eu trocaria a palavra driblar pela palavra dialogar. E o diálogo passa pela segurança do que você está oferecendo. Todos os produtos que oferecemos têm um nível de segurança alimentar, são aprovados em todos os órgãos brasileiros, no FDA americano, nos organismos europeus e asiáticos. Muitos dos nossos indicadores de qualidade são superiores ao que as regulações da legislação impõem, justamente por acreditarmos que temos que levar sempre a melhor qualidade para o consumidor. E, no final, oferecer escolhas.
Então, se você tem problema com açúcar, nós temos uma série de produtos sem açúcar. Se você quer algo mais refrescante ou divertido, pode tomar um refresco. Se quer algo mais nutritivo, pode tomar um suco 100% da fruta. Você tem também a opção aos lácteos, já que recentemente a gente comprou a Ades (bebida à base de soja) da Unilever. Então, temos alternativa láctea vegetal também. A ideia é oferecer ao consumidor sempre altíssima qualidade, e que ele possa escolher, conforme suas restrições ou desejos.
– Durante décadas, esse mercado de não viu muitas inovações. Nos últimos anos parece que a coisa acelerou. Por quê?
A cadeia de alimentos e de bebidas exige cuidados muito grandes para inovar. Não é um produto que você usa, é um produto que você engole, que põe para dentro do seu corpo. Então, o nível de cuidado em inovações é triplicado ao se trazer alguma coisa para a mesa.
Isso significa impacto na indústria. As linhas de produção, toda a parte de assepsia, de processo e de qualidade, precisam ter um nível de sofisticação e, portanto, um custo elevado. Não dá para mover isso todo ano, são ações caríssimas. Agora, alternativas tecnológicas estão surgindo a cada dia. Você tem cadeias mais curtas, de novos equipamentos, novos processos, ingredientes mais saudáveis que surgem, ano a ano, então você começa a ter uma velocidade e potencial de inovação muito mais rápidos.
O que dirige isso, basicamente, é o comportamento do consumidor que, nos últimos dez anos, mudou radicalmente. A gente passa de uma cultura de monocategoria, no final dos anos 90, para mais de 20 categorias dentro do portfolio. Isso significa atender ao que o consumidor está demandando, e a indústria precisa se ajustar, de forma cada vez mais veloz.
– Qual deve ser o impacto da entrada da Coca-Cola no setor lácteo?
A Coca-Cola vai estender as mãos para desenvolver e trazer valor ao setor. E isso significa valor para o consumidor. O setor não vai ter crescimento de valor se o consumidor não receber e não quiser pagar por isso. Olhando para o consumidor, o que ele pode esperar é que vamos trazer cada vez mais novidades para a mesa, novidades saudáveis, sustentáveis, que sejam boas para ele, para a indústria e para o planeta.
Siga o Agronegócio Gazeta do Povo
Deixe uma resposta
Quer participar da discussão?Fique a vontade para contribuir!