Orgânicos despertam apetite de investidores; mercado rende R$ 4 bi por ano
Nestlé, Unilever e fundos de private equity miram o setor de produtos sustentáveis, que movimenta R$ 4 bilhões por ano no Brasil, de palmito e azeite a massas e vinho
postado em 06/12/2017 06:00 / atualizado em 06/12/2017 01:37
Paula Pacheco
São Paulo — Todo mês, o presidente da Organis (Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável), Ming Liu, recebe pelo menos quatro consultas de fundos de private equity interessados em investir no setor. Eles buscam empresas inovadoras que tenham faturamento anual entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões. A missão não é fácil, já que boa parte dos negócios estão nas mãos de companhias de pequeno porte. Por isso, Liu tenta convencê-los a buscar empreendimentos menores, mas que tenham grande potencial para crescer.
Um dos negócios recentes que confirmam o interesse de grandes grupos nos orgânicos brasileiros foi a venda da Mãe Terra para a Unilever. Fundada em 1979, a Mãe Terra atua no segmento de produtos orgânicos e naturais e tem uma receita anual da ordem de R$ 100 milhões. O acerto levou um ano para ser fechado e foi anunciado em outubro sem revelar valores. Na ocasião, o presidente da Unilever, Fernando Fernandez, informou que o plano da multinacional é acelerar a expansão da Mãe Terra, que já vinha crescendo à taxa média de 30% nos últimos anos. Isso deve ocorrer com o aproveitamento das sinergias entre as duas empresas. Segundo a Unilever, o objetivo é dobrar a distribuição da marca em um curto período de tempo. Alexandre Borges, fundador da Mãe Terra, vai continuar à frente do negócio.
O potencial é mesmo gigantesco. Estima-se que os orgânicos movimentem por ano entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões no Brasil. Nos Estados Unidos, o valor passa de R$ 60 bilhões. Uma pesquisa recente mostrou que 15% dos brasileiros das principais capitais consomem esses produtos regularmente — o maior mercado é a região Sul, que registra o dobro da média nacional.
Em 2014, a marca paranaense Jasmine, especializada na produção de alimentos funcionais, foi vendida para a farmacêutica japonesa Otsuka, que passou a exercer o controle sobre a empresa por meio da subsidiária francesa Nutrition&Santé. No ano passado, seu faturamento foi de R$ 135 milhões e neste ano foram investidos R$ 10 milhões na produção de pães sem glúten, uma das apostas da companhia no exterior e no Brasil.
Outra multinacional que busca aproveitar o crescimento consistente dos orgânicos é a Nestlé. Há pouco mais de um ano, a multinacional suíça passou a incentivar a produção de leite orgânico e começou a desenvolver um projeto com agricultores da região de Araraquara (SP). O gado leiteiro não pode consumir alimentos que tenham utilizado adubo químico ou agrotóxico e deve ser medicado com homeopatia ou fitoterápicos.
Quando o projeto foi apresentado, 50 produtores de leite se interessaram em aderir, mas apenas 11 entraram na fase inicial porque nem todos tinham condições de adequar a propriedade às exigências para obter a certificação orgânica. Agora, já são 27 fazendas contratadas, que produzem 21,5 mil litros por dia. O projeto faz parte da iniciativa da empresa, em parceria com a Embrapa Sudeste e o Instituto Mokiti Okada, de incentivar a produção de leite orgânico em larga escala no Brasil e influenciar toda a cadeia do produto. O plano é alcançar 30 mil litros por dia no primeiro semestre de 2019, quando passará a comercializar o leite orgânico.
Fiel e engajado
“Grupos como Coca-Cola, Mondelez, Danone, Kellog’s, Pepsi e Nestlé têm se movimentado nessa direção no exterior, por isso é de se esperar que haja uma procura por negócios no Brasil ligados a linhas naturais”, diz Ming Liu. O foco dos investidores, segundo ele, são empresas inovadoras em suas áreas de atuação. O problema, diz, é o tamanho que esses negócios devem ter para se encaixar nos planos dos investidores. “Isso restringe as buscas a poucas empresas. Hoje temos marcas como a Native, do Grupo Balbo, que é a maior produtora de açúcar orgânico do mundo, e a biO2, que atua no segmento de cereais”, diz.
A Native foi pioneira no lançamento do açúcar orgânico, há duas décadas. Na época, a mudança na forma de produção da cana-de-açúcar incomodou outros usineiros, que seguiam o método tradicional e consideravam o empresário Leontino Balbo um louco por reflorestar as áreas desmatadas e fazer o controle de pragas de forma natural. Hoje em dia, a empresa tem uma família de produtos, que vai do café ao achocolatado.
Em parte, o aumento da oferta de produtos orgânicos no país tem a ver com a demanda do varejo, explica Susy Yoshimura, gerente de sustentabilidade do Pão de Açúcar. A empresa começou a comercializar esse tipo de produto há duas décadas e hoje, segundo a executiva, as lojas oferecem alternativas orgânicas na maioria das categorias — desde itens como palmito, azeite, sucos, biscoitos e massas, até os mais inusitados, como água de coco, energético, macarrão integral e vinho. São cerca de 1 mil itens cadastrados em toda a rede, vindos de aproximadamente 100 fornecedores, e desde 2011 há gôndolas exclusivas para expor essas mercadorias.
Apesar dos efeitos do aumento do desemprego no país, Susy diz que as vendas de orgânicos — que custam mais que os produtos tradicionais — não estão expostas às condições da economia. “Os compradores de orgânicos são fiéis e já consolidaram a categoria em sua cesta frequente de compras, dificilmente fazendo substituições. Trata-se de um consumidor engajado, que valoriza os orgânicos e os consideram essenciais para a saúde e o bem-estar.”
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